sexta-feira, 3 de setembro de 2010

À Deriva


Filme: “Direito de amar” (A Single Man, 2009)
Nota: 8
Para ler escutando: Falling out of reach - Guillemots

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Algumas áreas da arte dependem dessa afirmativa e constantemente a comprovam. A pintura e a escultura, por exemplo, expressam sentimentos, histórias completas através de uma imagem, de um frame, sem a necessidade do movimento. Com a criação do cinema, no qual aproximadamente 30 imagens são projetadas por segundo, dando a idéia fascinante de movimento, a significância e a plasticidade da imagem são muitas vezes ignoradas pelo artista em detrimento do roteiro, da qualidade das falas, da continuidade da história.
Tom Ford é um representante da única forma de arte que podemos usar, e que cada vez mais se torna uma parte importante da nossa identidade: A Moda. No seu ofício, a imagem é a coisa mais importante. A fluidez do tecido, o movimento da roupa ao andar, as formas, as cores. E “Direito de amar”, é, acima de tudo, uma afirmação de Tom Ford como artista e uma afirmação da imagem como comunicação de sentimentos.
Como Ford é um iniciante na arte de contar histórias na telona, em alguns momentos suas metáforas bem pensadas baseadas na mudança de esquemas de cor e iluminação se tornam um pouco “escola de cinema” demais. Pretensiosas, talvez. Normalmente isso seria condenável, mas nesse caso, tudo é tão cheio de significado e belo, que é louvável. Na representação da angústia e depressão como um afogamento, nos lampejos de vitalidade do protagonista e as cores vivas e quentes que os acompanham, tudo ultrapassa a beleza estética e se torna quase literário. O estilista também utiliza closes como ninguém, e, surpresa, figurinos e maquiagem fantásticos. Citando a revista Bravo em uma definição do genial “O Conformista” de Bertolucci, a imagem é pensada como pintura.
Apesar do seu amor pela imagem, “Direito de amar” não negligencia um enredo sólido e extremamente denso, que relata um dia decisivo na vida de George, um professor que perdeu há oito meses seu parceiro, com quem viveu por mais de uma década. O filme dita seu próprio ritmo ao espectador, passando como um dia de verdade por nossos olhos, com momentos lentos e monótonos e outros cheios de vida. A lentidão não indica falta de intensidade hora nenhuma. Se você se entrega ao passo do filme, tudo funciona bem. Porém nem todos vão curtir a narrativa arrastada do filme de Ford.
Colin Firth, em mais um papel do engravatado e contido homem inglês, mereceu cada voto que o levou à indicação ao Oscar 2010. Firth recebe finalmente um papel difícil na sua carreira, e assim mesmo, de primeira, brilha. Suas expressões faciais sutis e certeiras ajudam na proposta do filme de fazer cinema como arte visual acima de tudo. Julianne Moore está estranha, e reveza momentos de exagero com momentos de grande atriz. Matthew Goode está bem, bem melhor do que em Watchmen, e anotem isso aqui: Desde “Um Grande Garoto”, passando pela genial série Skins, Nicholas Hoult tem futuro e muito talento.
“Direito de amar” é um filme sobre amor e perdas, e os efeitos que estes causam na alma de uma pessoa. Os sentimentos são vistos como um mar, e George está se afogando. Com o rompimento brusco do seu maior ponto de referência , Jim, o professor fica à deriva. A única outra âncora em sua vida, sua amiga Charley, está tão perdida quanto ele. Quando vê o mundo comandado pelo medo, ganância e preconceito, George se deixa levar pela correnteza, se afastando da sociedade que tanto odeia.E como o sociólogo Durkheim teorizou em sua obra, o suicídio é próprio dos que se distanciam tanto da órbita da sociedade que a gravidade não os segura mais. É um filme sobre o desejo de parar de respirar de um homem que chegou ao fundo do seu próprio mar. Mas quando os pés de qualquer um atingem o fundo desse oceano sufocante, é a melhor hora de usar esses pés para dar um impulso a mais e ver as belezas da superfície que Tom Ford soube retratar tão bem.

2 comentários:

  1. Parece muito interessante, vou assistir. E não é só pela idéia do suicídio que, definitivamente, eu não gosto, certo Ana? huahua

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  2. Parabéns. Finalmente li algo que me fez pensar 'isso sim é uma crítica'. ;)

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