sábado, 18 de setembro de 2010

Olhando para trás


Filme: O Segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos, 2009)
Nota: 10
Para ler escutando: Love is the end - Keane

O filme “O Segredo dos seus olhos” merecia um post melhor no TTF. Merecia um texto no qual eu analisaria suas nuances, seus temas, seus personagens bem construídos. Farei isso nesse post também, mas não consigo ignorar o elefante que aparece na sala de qualquer brasileiro ao assistir essa obra prima de Juan José Campanella. Uma pergunta fica no ar, pairando acima dos questionamentos belíssimos do filme: Os argentinos fizeram o melhor filme de 2009. Se eles conseguiram criar uma indústria cinematográfica genuína e de sucesso, por que nós não conseguimos? Se eles ganharam um Oscar, glória maior do cinema mundial, por que não ganhamos nenhum até hoje?
Chegamos ao fundo do poço.Vamos escolher nosso elegível ao Oscar através de uma votação na internet. Há um bom tempo nós simplesmente não temos o que indicar. O que falta para o Brasil ter uma produção cinematográfica (até mesmo uma produção cultural) de qualidade? Falta pensamento global, primeiramente. O cinema brasileiro é pensado para as massas brasileiras. Boas histórias não possuem CEP, não precisam de uma identidade nacional, não são locais. Uma boa história é acessível para todo o mundo. O cinema brasileiro se restringe profundamente aos temas regionais. Outro problema é a influência da TV nas nossas produções. Com a ascensão da Globo Filmes como força maior do cinema brasileiro, os filmes são produzidos segundo os moldes das novelas da emissora, que perdem qualidade e público vertiginosamente. Os filmes adolescentes copiam Malhação, as comédias insossas como “Se eu fosse você” seguem a linha de uma novela das 7 e o pior: As novelas “sobrenaturais” das 6 agora invadem os cinemas. Até nossos supostos bons atores de TV parecem enfraquecer nossa produção.
Sim, nós tivemos uma exceção recente. Um dos melhores filmes da década é nosso, com muito orgulho. “Cidade de deus” só não saiu de Oscar debaixo do braço pois resolveram fingir que o filme não era estrangeiro, e indicar para os prêmios gerais. E o brilhante filme de Fernando Meirelles é uma exceção por quê? Porque é o oposto de tudo o que eu disse no parágrafo anterior. Um tema global, a criminalidade, atores novos, uma produção ousada que não buscava fazer média com o público estagnado das novelas. Não considero “Central do Brasil” uma exceção. Apenas um filme bom (e supervalorizado) que validou a regra, e tornou quase impossível pro Brasil sair da gravidade da tal regra. E enquanto o cinema argentino se torna cada vez mais consistente, a gente vive de exceções.
Voltando ao filme de Campanella, “O segredo de seus olhos” é impecável. É um thriller policial de qualidade ímpar, do tipo que não tem aparecido nem mesmo em Hollywood. Possui a mesma força questionadora do recente “Medo da verdade”, porém, enquanto o filme de estréia de Ben Affleck era mais cru, o diretor argentino mostra um alcance enorme, aplicando um verniz de classe digno de “Hollywood antiga” em partes do filme, e rapidamente injetando modernidade com cenas em plano-sequência e câmera na mão, como a genial perseguição no estádio de futebol. Além da interpretação impecável de Ricardo Darín, digna de competir pelo Academy Award cabeça a cabeça com o ganhador Jeff Bridges, o filme conta com um elenco de coadjuvantes perfeito, falha comum observada nos filmes brasileiros.
“O segredo de seus olhos” é um filme completo. É, em partes iguais, história de mistério e história de amor. É um filme político, e aborda temas como impunidade e abuso de poder. Mas o que une cada personagem ali é impossibilidade de se ignorar o passado e a necessidade de uma resolução. O passado faz parte do nosso presente. Ás vezes, ele se torna nosso presente. É incoerente fingir que nada aconteceu. O que nos resta é buscar uma resolução, da única maneira que conseguirmos. Nem sempre a maneira mais correta, como para Ricardo Morales. Nem sempre a maneira mais rápida, como para Benjamin Esposito. Mas sempre coerente com quem somos e com as nossas paixões, que como dito por Sandoval, nos definem e nunca nos abandonam, iluminadas pela meia-luz dos nossos passados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário