domingo, 20 de junho de 2010

Playlist TTF #6 Nada se cria,tudo se transforma

Remakes e Covers são dois conceitos parecidos, mas com fórmulas de sucesso completamente diferentes. Afinal, um bom Remake cinematgráfico é aquele que muda pouco, apenas o suficiente para mostrar a assinatura do corajoso diretor que está revisitando a obra de alguém. O meio-termo é o segredo (pra mim o segredo é NÃO fazer remake...não gosto mesmo, vocês podem ver minha opinião sobre isso na crítica de “Nine” de Rob Marshall). Já no mundo da música, a reinvenção de uma faixa é muito mais digna. Mudar tudo, se com qualidade, vale. Fazer uma versão idêntica à original, também vale. A questão aqui é fazer da sua versão memorável, seja através de inovações ou capacidade vocal mesmo. Essa foi a lista mais difícil de resumir, doeu deixar de lado bons covers como “Feeling Good” com o Muse e “Wicked Game” com a banda Ex-Lovers (quase um The XX), mas aqui estão apenas versões que impressionam e acrescentam alguma coisa à experiência de escutar a original. Se um Remake ganhou até Oscar recentemente (“Os infiltrados” de Scorsese é uma versão de “Infernal Affairs” de Hong Kong), vamos celebrar o princípio de Lavoisier!

1- Never Tear Us Apart – Record Club
Versão Original: INXS

Me deparei com essa versão durante a semana e na hora pensei: “Vou mudar o tema da Playlist só para incluir essa pérola”. Os violinos e a voz suave de Annie Clark (St.Vincent) dominam o clássico do INXS, que já teve outra versão genial na voz de Joe Cocker.

2-Womanizer – Lily Allen
Versão Original: Britney Spears
Odeio tanto este sucesso de Britney Spears que relutei em ouvir quando vi que Lily tinha o regravado. Mas levei um susto quando reconheci um piano e aquele ar “clube esfumaçado de jazz em NY”, e pensei: Num é que ficou bom? Me enganei, não ficou bom. Ficou fantástico.

3-I Kissed a Girl–Travis
Versão Original: Katy Perry

Além da música ter ficado ótima ( e eu realmente não sou muito fã dessa faixa da Katy Perry), o conjunto é simplesmente hilário. É um cara cantando “I kissed a girl”. Pensa na letra. Então...

4-Hot in Herre – Jenny Owen Youngs
Versão Original: Nelly

O melhor exemplo de cover da lista. Alguém consegue reconhecer o horroroso sucesso do rapper Nelly neste pedaço de Folk/Indie Pop? E tudo fica melhor se você reparar na letra da música, que Jenny canta com a maior naturalidade, sem mudar praticamente nada. Genial.

5-No Surprises –Regina Spektor
Versão Original: Radiohead
Não acredito que a primeira música do Radiohead a aparecer no Through The Frames (gusto muito da banda) não está na voz de Thom Yorke, e sim na versão da peculiar Regina Spektor, que consegue deixar ainda mais deprê uma das músicas mais tristes da história. Primeira vez que eu ouvi, em um dia comum, no qual nada de ruim aconteceu, eu chorei, por “mérito” da música apenas.

6-Starstrukk – Marina and The Diamonds
Versão Original: 3Oh!3 feat. Katy Perry
O programa BBC Radio 1 Live Lounge nos presenteia com covers geniais como o do Arctic Monkeys para “You Know I’m No Good” da Winehouse, o do The Gaslight Anthem para “I do not hook up” de Kelly Clarkson e Jamie T com “If were a boy” de Beyoncé (e alguns assassinatos, como Leona Lewis estragando a belíssima Run do Snow Patrol) e escolhi para representar esse programa essa reinvenção de Marina and The Diamonds que dá tanta classe para a música do 3Oh!3 que a faixa se torna irreconhecível.E cada vez que eu escuto essa versão eu fico mais impressionada.

7-Billie Jean –Chris Cornell
Versão Original: Michael Jackson
Sabe quando você escuta uma música e pensa: “Eu conheço isso de algum lugar...”? Essa versão do clássico de Michael Jackson (que foi utilizada por um participante do American Idol, David Cook, e até mesmo melhorada por ele) é tão original que eu não reconheci a pérola do pop na primeira vez que ouvi. Mérito do ex-vocalista do Soundgarden por me fazer ouvir algo que eu já tinha até cansado de escutar como se fosse a primeira vez

domingo, 13 de junho de 2010

Playlist TTF #5 Run, Forrest, Run!

Sabe quando dá aquela vontade de sair correndo? Você está estressado, sobrecarregado, quer descarregar as energias nos seus pobres tênis de corrida? Ou simplesmente tá com tanto frio que sente que essa é a única solução pra perder essa sensação de congelamento na ponta do nariz e nas mãos? Não? Ok, essa sou só eu então. Mas vamos agora pra situação oposta. Você se prometeu que vai começar a correr todo dia, seja na academia ou não, e não consegue cumprir essa promessa? Essas músicas aqui listadas podem te dar um empurrãozinho, só verifica se o cadarço está amarrado, senão o empurrão pode causar estragos (também sou só eu? Então tá.).

1- Farewell to the Fairground – White Lies
A bateria quase militar e os versos como “Keep on running, keep, keep on running” estão aí pra não deixar você parar quando aquela dorzinha na barriga te lembrar que seu condicionamento físico está péssimo de tanto ficar na internet.

2-From the ritz to the rubble – Arctic Monkeys
Ao som dessa você começa andando, e termina até tropeçando de tão rápido, de novo auxiliado pela batida incrível, dessa vez do gênio Matt Helders. Os dois primeiros CDs dos macacos são uma ótima pedida para uma trilha sonora de academia.


3-A-Punk – Vampire Weekend

Se você tem uma praia na sua cidade (sortudo) Vampire Weekend é uma alternativa rápida mas menos agressiva para uma boa corrida no calçadão. Mas essa sugestão vale pra nós, os sem-mar, também!

4-Our Velocity- Maximo Park
A música que inspirou essa lista. Estava escutando e pensei como que essa faixa parece ter sido feita pra corrida. Do título ao teclado, ao riff de guitarra, tudo é um convite para acelerar.

5- Human Rocket – Devo
Oi, cd novinho! March On podia estar nessa lista também, mas um refrão que diz “Eu sou um foguete humano” combina mais ainda com a proposta.
Anos 80 puro, vale a pena ouvir o cd (quase) inteiro.

6- The Great Escape – We are scientists
Versos rápidos que só sossegam no refrão, perfeitos para você correr como se tivesse fugindo de alguma coisa. Da monotonia, talvez?

7-Second, Minute or Hour – Jack Peñate
Em um álbum que tem até música com nome “Run for your life”, são as guitarras velozes de “Second, Minute or Hour” que te chamam para as pistas e calçadas. Tanto que o clipe figura o Jack correndo pela praia de Brighton, na Inglaterra. Pelo menos você não precisa de correr cantando.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Escalação Campeã



Para ler escutando: Pullovers - Futebol de Óculos

Fronteiras? São só linhas desenhadas por antigos poderosos sentados em uma mesa. E durante um mês, a cada quatro anos, essas linhas desaparecem como mágica, e são substituídas por outras. A intermediária, as laterais, as que demarcam as áreas. E o centro do campo vira o centro do mundo. Os rivais trocam os ataques armados pelos ataques driblados. E não me venha com papo de “ópio das massas”, ou “política do pão e circo moderna”. A gente precisa disso. De sentir orgulho de nossa nação...mesmo que seja por um período transitório.
Sim, já deu para perceber. Sou completamente apaixonada pela Copa Do Mundo. E pelo glorioso esporte bretão. Para os que ainda acham que futebol é jogo de homem, paciência. Um esporte que basicamente simboliza a paixão, a intensidade e a emoção. Por que exatamente virou um esporte “só para meninos”?
O futebol é a única coisa que é capaz de unir todos os povos, de todas as idades, nacionalidades e classes. Os Jogos Olímpicos são incríveis, mas são elitistas e ás vezes até mesmo monótonos. Olimpíada é concerto de violino. Copa é percussão... nesse caso, na terra da percussão.
Depois dessa introdução emotiva, você deve estar pensando: O que isso tem a ver com o tema desse blog?
Então, em homenagem ao Mundial da Fifa, resolvi fazer uma lista (Yay para que curte listas!). Cada país considerado favorito para a Taça vai ser representado por um ótimo filme. E se vocês quiserem, podem eleger o campeão pessoal de vocês nos comentários!
Detalhe: Não, não vai ter Portugal na lista. Conhece algum filme português bom? Então... se conhece pode deixar nos comentários, ficarei feliz de assistir e descobrir o cinema lusitano. Mas nunca nem ouvi falar.

1-Brasil
Filme: “Cidade de Deus”

Fernando Meirelles pode não ser nosso artilheiro (sua carreira foi marcada por 2 grandes filmes apenas) mas é nosso jogador mais inventivo, habilidoso e criativo. E a ausência de um Oscar para sua obra-prima (que figura em diversas listas internacionais de melhores filmes da década) é tão injusta quanto um pênalti não marcado numa final de copa.

2-Espanha
Filme: “Volver”

A Fúria. País passional, time passional, e aqui representado pelo diretor com o conjunto de filmes mais passional da cinemateca mundial. Almodóvar traz toda a essência espanhola em seu “Volver”, um retrato de um povo que deixa as emoções falarem mais alto, sem medo dos cartões vermelhos.

3-Itália
Filme: “Roma, cidade aberta”

A atual campeã mundial também é a campeã do cinema europeu, na minha opinião. Para fugir do estilo leve e sutil do goleador “Cinema Paradiso”, escolhi um filme do mestre Rossellini, com força e sem firulas, mostrando o poder do zagueiro italiano que é o NeoRealismo. Não se intimide pelo status Cult do filme, é uma obra universal, acessível e inesquecível.

4-Alemanha
Filme: “A Vida dos Outros”

Assim como sua seleção nacional, o cinema alemão é sério, técnico e muitas vezes esquecido quando comparado com os outros países europeus. Mas quando você pensa que ele não tem chances, um passe magistral acontece e é gol certeiro nas premiações. Em meio a diversas obras dessa incrível fase dos germânicos (Adeus Lênin, A Queda), escolhi uma película que não se contenta com a vantagem que já conquistou durante a partida, e nos minutos finais coroa sua vitória com um lance de futebol arte.

5-Argentina
Filme: “Valentín”

Largue a rivalidade para lá, pois a indústria cinematográfica argentina já deixou de ser uma surpresa quando se trata de qualidade e consistência. Nossos hermanos deixam a marra e a catimba pra lá e mostram o mais puro futebol arte nessa película de Alejandro Agresti. Assim como Lionel Messi, o também pequeno Valentín encanta qualquer um.

6-Inglaterra
Filme: “Orgulho e preconceito”

Os inventores do futebol podem não ter uma tradição de títulos, mas é consistente e sólida, sempre avançando nos mundiais. O seu cinema recebe maior reconhecimento e mais prêmios que seus jogadores, talvez pois substitui a truculência e a garra de Wayne Rooney (e a violência da torcida) pela poesia e emotividade, como nessa adaptação impecável da obra de Jane Austen.


7-Holanda
Filme: “Control”

Este aqui é um gol de mão bem disfarçado por parte da blogueira aqui. O juiz pegou? Control é um filme inglês sobre uma banda inglesa, porém é seu diretor holandês Anton Corbijn que dá a espinha dorsal para esse poderoso filme. Te envolve como o ataque da saudosa Laranja Mecânica de 1980, mas termina com um choque e com lágrimas, como a maioria das campanhas da sempre aguardada seleção holandesa.

domingo, 6 de junho de 2010

Playlist TTF #4 - Don’t Worry, Be Happy

Depois das duas últimas playlists, você tem andado meio deprê, chorando pelos cantos, tristonho e cabisbaixo? O mundo parece um lugar mais cinzento e cruel? Desculpa gente, as Playlists #2 e #3 ficaram, não intencionalmente, melancólicas. Mas nós vamos reverter essa situação agora! Hoje a playlist só tem espaço para músicas que te deixam instantaneamente feliz. Se depois dessa seleção um sorriso não aparecer no seu rosto, se você não se sentir revigorado e otimista... você é provavelmente o Marvin de “O guia do mochileiro das galáxias”.

1- Australia – The Shins
Como James Mercer canta, nesta que é uma das minhas músicas favoritas, às vezes a gente se sente como se pudesse voar. E essa é a sensação que Australia me passa.

2-All I Want Is You – Barry Louis Polisar
Abertura de Juno, sim. Essa trilha toda é ótima para mudar a cara de um dia cinzento.

3-Lollipop – Mika
Sério, fala que não dá vontade de sair pulando por aí em um mundo desenhado por Walt Disney depois de ouvir isso? O Mika tem um talento incrível para alegrar um ambiente.

4-Mushaboom – Feist
A “música da propaganda da Lacoste” é absolutamente deliciosa. Gera o mesmo efeito de comer uma barra de chocolate inteira. E não engorda.

5-Alright - Supergrass
Essa foi feita para ser trilha-sonora de uma tarde animada com os amigos. Aquelas cheias de momentos que um dia serão piadas internas, e várias crises de riso seguidas de “Ai ai...”s.

6-Hold it in – Jukebox the ghost
Palmas ritmadas e um pianinho animado. Escute e tente continuar com uma cara fechada. Então. Conseguiu?

7-Lisztomania - Phoenix
Nossa, o maior sucesso do incrível álbum Wolfgang Amadeus Phoenix é A música para dançar como se ninguém pudesse te ver, criando uma onda de felicidade suficiente para alegrar até o Thom Yorke.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Natureza Desumana


Filme: Watchmen – O Filme (“Watchmen”, 2009)
Nota: 9
Para ler escutando: Take a Bow - Muse

Nada é mais difícil, nada requer tanta coragem e sacrifício, quanto fazer a coisa certa. É por isso que aqueles que perante os perigos e ameaças, não desistem das suas missões e das coisas nas quais acreditam, recebem o nome de heróis. Dessa maneira agiram Cristina Yang, Meredith Grey, Owen Hunt e Richard Webber perante o imprevisível atirador que, no final de temporada de Grey’s Anatomy, assinava com sangue e covardia sua sentença nos corredores do hospital Seattle Grace. E cada um merece o título de herói.
Quanto maiores são as causas, mais se torna difícil definir o que é a coisa certa. As perguntas que antes eram respondidas por um sim ou não se tornam repletas de respostas como “Talvez” e “Parcialmente”. O que antes era preto e branco, continuar operando ou se submeter ao desejo de um assassino, se sacrificar para salvar alguém que você ama, adquire milhares de tons de cinza. Pois o assunto agora não é o bem de uma pessoa. E sim o bem de milhares. Milhões. Bilhões.
Desta maneira, líderes e revolucionários seguem caminhos que julgam corretos, através de guerras e mortes, em busca do tal “bem comum”. Quando o sacrifício deixa de ser único e voluntário, é merecedor de ser chamado de heroísmo?
Em “Watchmen”, somos apresentados a diferentes tipos de “quase-heróis”. O inocente e idealista Dan “Nite Owl II” Dreiberg. O amargo porém coerente e sólido em suas crenças Walter “Rorschach” Kovacs. O drástico e megalomaníaco (e talvez, mais idealista ainda) Adrian “Ozymandias” Veidt. O quase divino porém sujeito a emoções (neste caso, sinônimo de falhas) humanas Jon “Dr. Manhattan” Osterman. E o nada heróico, porém ganhador desse título das mãos da sociedade violenta e perversa, Eddie “The Comedian” Blake. E quando a película chega ao fim, não precisamos escolher um lado. Assim como Dr. Manhattan, não perdoamos, nem condenamos. Todos estão errados. Todos estão certos. A humanidade é que está errada, na verdade.
Alguns filmes simplesmente não se contentam em serem apenas filmes. São extremamente ambiciosos. Querem mudar alguma coisa na maneira que você vê o mundo. Querem passar uma mensagem. E Zack Snyder, ao receber a missão de filmar a infilmável HQ Watchmen, sabia que tinha uma história em mãos que podia virar bem mais que um filme.
Watchmen é uma história que analisa, critica e disseca cada pedaço da sociedade e da natureza humana. Apresenta um universo extremamente sombrio, julga, condena, expõe várias feridas da forma menos sutil possível. Sendo assim, se tornou um filme que olha na cara do espectador e diz: “Está gostando do que vê? Porque eu não.”.
Mas Watchmen quer tanto ser mais do que um filme que se esquece, às vezes, de alguns elementos que fazem um ótimo filme, um filme que mereceria um 10 aqui no Through The Frames.
O casting do filme foi bem feito, mas poderia ter sido excelente. Jackie Earle Haley é Rorschach. Cada cena com o vigilante mascarado é tão significativa que dá vontade de ver um filme só dele. Até a voz de Earle Haley domina as cenas completamente. Billy Crudup foi outro acerto, passando emoção e humanidade para o espectador mesmo através do olhar fixo de seu Dr. Manhattan. Patrick Wilson não está ruim, mas decepciona para um ator que já foi até indicado para Globo de Ouro. Jeffrey Dean Morgan não aparece muito, mas mostra a que veio quando aparece. E Malin Akerman (Silk Spectre II) e Matthew Goode (Ozymandias) estão muito fracos. Ok, o papel da Espectral não é muito bom ou complexo, então a atriz não pode ser tão condenada. Mas Ozymandias merecia alguém menos exagerado. E os figurantes de uma fala, oh, os figurantes que participam das cenas de Guerra Fria, onde Zack Snyder arrumou essa trupe?
Não vou ficar criticando o ambicioso diretor de 300 não. Snyder utiliza perfeitamente efeitos especiais, slow motion e ângulos inusitados, que combinados com uma das trilhas sonoras mais surpreendentes de todos os tempos, criam cenas inesquecíveis. Com 15 minutos de filme você já percebe que está assistindo algo especial.
Quando Watchmen chegou aos cinemas, muita gente me disse que o filme era só violência e sexo. Fico me perguntando exatamente que filme que essas pessoas assistiram. Acho que não foi o mesmo que eu. Com certeza é um filme explícito e agressivo, mas, assim como os seus quase-heróis e seus métodos, tudo tem um objetivo maior. O filme pode ser descrito da mesma maneira que o Comediante é descrito nas palavras de Rorschach: “Ele via as rachaduras da sociedade, via os homenzinhos mascarados tentando manter tudo em ordem... Ele viu a verdadeira face do século 20 e escolheu se tornar uma reflexão, uma paródia de tudo”. A piada do Comediante somos nós. E Watchmen, assim como seu melhor personagem, Rorschach, não quer nos salvar. Mas talvez, se escutarmos com atenção, ainda possamos salvar à nós mesmos.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Causando a ira dos deuses


Filme: “Percy Jackson e o ladrão de raios” (Percy Jackson & the Olympians: The Lightning Thief, 2010)
Nota: 5
Para ler escutando: Heaven Can Wait – Charlotte Gainsbourg feat. Beck

Mitologia. A maneira usada pelos nossos ancestrais para explicar tudo o que parecia inexplicável, cada fenômeno natural e grande acontecimento. E acima de tudo, a mitologia é repleta das histórias mais complexas, fascinantes e ricas que já foram contadas no mundo. Pena que uma história forte pode ser facilmente enfraquecida por um contador que, além de pecar no quesito talento, não conhece a história direito. E isso foi o que encontrei na superprodução “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”.
Eu prometo para vocês, leitores, não estou me tornando aquele tipo de pessoa que odeia blockbusters e só assiste oscarizados e filmes europeus. Eu juro, em um tom digno de Scarlett O’Hara, que não ficarei assim nunca. Eu adoro filmes de aventura baseados em livros para o público infanto-juvenil. Sou da geração Harry Potter com muitíssimo orgulho, e também sou fã da série literária e cinematográfica “As crônicas de Nárnia”.Mas “Percy Jackson” testou muito minha paciência.
Primeira coisa: Quer fazer um filme sobre mitologia? Faz o dever de casa primeiro. O Hades não é o Inferno como concebemos. É simplesmente o mundo dos mortos. O verdadeiro abismo é o Tártaro. O cão que guarda o Hades é o Cérbero, com três cabeças, mas imagino que eles escolheram os “Hell Hounds” porque não quiseram parecer demais com Harry Potter. E porque, oh, porque todos os deuses, portais, criaturas e artefatos mitológicos estão localizados nos USA? O portal pro Olimpo , casa dos deuses gregos (detalhe: gregos), fica no topo do Empire State Building? Junto com a Meg Ryan e o King Kong?
Os problemas com o roteiro não ficam na Grécia Antiga. Bem no início do filme (logo, não estou estragando nada), o herdeiro de Poseidon vê sua mãe desaparecer na sua frente nas mãos de um minotauro, muito provavelmente morta, e parece impassível. Ele ainda parece empolgado com a idéia de sua nova vida no acampamento de semi-deuses. Perturbador. Isso sem mencionar todos os discursos em meio às batalhas, afinal, explicações completamente óbvias sobre mitologia não podem esperar o fim de um ataque de hidra.
Os dois capítulos da saga Harry Potter dirigidos por Chris Columbus podem não possuir o arrojo do capítulo de Alfonso Cuarón, o encantamento visual do de Mike Newell ou a seriedade dos de David Yates, mas possuíam o tom necessário para marcar o início da série. Harry era apenas uma criança, e foi com olhos de criança que Columbus abordou a história do menino bruxo. Mas agora, com mais um elenco de apoio fortíssimo e jovens atores iniciantes, o diretor falhou feio. Quando vi a primeira cena do longa-metragem, já percebi que aquilo não ia dar certo. Poseidon precisava de sair como gigante da água em plena New York? Ele não tem forma humana?
Grandes atores decepcionaram em Percy Jackson. Nenhum recebeu muito tempo de cena, mas todos impressionaram nos minutos nos quais estavam presentes (e a impressão não foi boa). Catherine Keener, depois de uma sequência de filmes consistentes, parece inexperiente em meio a todo o drama de sua Sally Jackson, mãe de Percy. Sean Bean causa até mesmo risos em sua primeira aparição como Zeus. Não que este fosse o objetivo. Porém, garanto que nenhuma interpretação aqui é tão decepcionante quanto à de Uma Thurman. Alguém podia proibir a atriz de participar de qualquer filme que não tenha Quentin Tarantino atrás das câmeras? Foi na primeira aparição de sua Medusa que perdi completamente a fé no filme. Pierce Brosnan não cai na mesma armadilha que os colegas de elenco, porém mal aparece.
Se o elenco experiente não cumpriu o que prometeu, o elenco jovem salvou o dia, não é? Não. Logan Lerman não está péssimo como o protagonista, caindo na mesma categoria de Daniel Radcliffe (isso não consta como elogio). Mas acho que tem potencial, se presenteado com um personagem melhor. Já os coadjuvantes (seguindo a linha Harry Potteriana “Garota Prodígio e Garoto Alívio Cômico”) caem na mesma categoria, digamos, da tempestade que Zeus promete armar caso seus raios não sejam devolvidos. Desastres completos. Se eu fosse a ladra de raios, faria questão de mandar alguns naqueles dois, viu. E no filhinho de Hermes.
Se você está esperando um filme digno de deuses, fique longe de “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”. Esta obra está longe do Olimpo dos filmes de aventura, e próxima do limbo das Sessões de Sábado da TV Globo. E os deuses, semideuses e heróis ainda aguardam, sob a ameaça de raios e trovões, por um diretor que aceite e seja bem sucedido na tarefa hercúlea de filmar (o genial Hércules da Disney não vale, estou falando em Live Action) a grandiosidade de uma cultura que já foi a verdade absoluta, a mentira condenada pelos homens da ciência, e hoje pode ser vista da maneira correta:Repleta de histórias eternas.