sábado, 4 de setembro de 2010

Olá, estranho


Filme: Nova York, Eu te amo (New York I Love You, 2009)
Nota:6,25
Para ler escutando: New York I Love you, but you’re bringing me down – LCD Soundsystem

Se analisarmos uma cidade que é tão grande que comporta 18 milhões de pessoas, um indíviduo é tão relativamente pequeno que pode ser comparado com um átomo. Dessa maneira, podemos estender a analogia e dizer que a cidade é um sistema formado por uma série de átomos, que se movimentam incessantemente e de maneira pouco previsível. Uma metrópole não é um sólido, no qual as partículas se unem de maneira intensa e assim permanecem. É um fluido, um gás. Esses átomos, ou pessoas, podem se unir em moléculas. A ligação entre os átomos de uma mesma molécula, famílias, casais, amigos próximos, é mais forte e difícil de ser quebrada. Nunca impossível, é claro. Na maior parte do tempo, a interação entre os átomos solitários ou entre as pequenas moléculas desse complexo sistema é superficial. As forças que ligam átomos de um gás são muito, muito fracas. Elas se aproximam, se atraem, colidem e se repelem, cada uma seguindo seu rumo, e assim a dinâmica interna do gás funciona. Nessas colisões, as trajetórias dos átomos podem ser alteradas, mesmo que um pouquinho. Se a colisão for forte o suficiente, uma ligação mais firme pode ser construída. Mas reações só acontecem em situações muito especiais.
Nova York, a metrópole mais famosa do mundo, funciona assim. E há tempos, muitos cineastas-cientistas apontam seus microscópios pra Big Apple, teorizando sobre o intrincado movimento dos moderninhos átomos desse vapor. O último esforço desses cientistas é uma série de curtas interligados, chamada de “Nova York eu te amo”, parte de um projeto que já capturou Paris e tem como próximo alvo nosso lindão Rio de Janeiro. E a obra captura de forma precisa essa realidade. O que não significa que o filme não tem grandes falhas.
Como o filme é uma soma de suas partes, é mais fácil comentar cada segmento separadamente. Alguns diretores se adaptaram melhor ao formato do projeto do que outros, afinal, o desafio de criar um arco de história bem montado que dure 10 ou 15 minutos apenas é bem difícil. Yvan Attal e Brett Ratner foram os que mais entenderam e transmitiram o feeling do filme. Attal, ator francês, cria um curta urbano, surpreendente e original sobre a natureza dos encontros amorosos na cidade, e conta com Ethan Hawke, Maggie Q, Chris Cooper e Robin Wright Penn no seu brilhante segmento. Brett Ratner aproveita o jovem talentoso (e fofo) Anton Yelchin (que, como eu já disse no twitter, devia ter sido o novo Peter Parker) em um curta que começa estranho e meio sem jeito, mas termina tão bem que se redefine. Muito bom pra alguém que já dirigiu Hora do Rush.
Agora, aos medianos. Fatih Akin dirige um misterioso e interessante segmento, que explora a relação de um pintor recluso e estranho e sua musa, bem interpretada por Shu Qi. Natalie Portman cria uma redação de Enem, politicamente correta e certinha, na sua estréia como diretora e Jiang Wen dá um início moderninho porém repleto de coincidências improváveis com o ladrão Hayden Christensen e sua vítima Andy Garcia. O segmento que relata o encontro de Drea DeMatteo e Bradley Cooper é ruim, porém faz parte da reflexão do filme sobre a fugacidade dos encontros das pessoas em NY.
O problema aqui são os ruins. Shunji Iwai praticamente revisita Elizabethtown de Cameron Crowe e ainda traz de volta pro papel principal Orlando Bloom, porém o faz da maneira mais irritante e sem personalidade possível. Mira Nair inicia seu curta com um ótimo diálogo entre Natalie Portman e Irrfan Khan, mas tudo descamba pra uma versão forçada de um filme de Bollywood.
Mas o destaque negativo vai para, talvez, o diretor mais aclamado da turma. Shekhar Kapur, maestro da franquia Elizabeth, pega uma história do finado Anthony Minghella e faz o curta mais incompreensível, aflitivo e pomposo de todos, e quase desanda o filme inteiro. Olha que ele tinha Julie Christie, John Hurt e um bizarrísimo Shia LaBeauf nas mãos.
Deixei para o final o sublime. O segmento dirigido por Joshua Marston, que acompanha o casal Cloris Leachman e Eli Wallach (ambos fantásticos) numa caminhada pela Big Apple no seu aniversário de 60 e poucos anos de casamento, é um oásis de sutileza e humor nesse experimento. O velho casal é a antítese perfeita de todo o resto do filme: Dois átomos que permanecem juntos, firmes. O curta mostra a relação daqueles que viveram em tempos mais lentos, quase sólidos, com o caos veloz da cidade vapor.
“Nova York eu te amo” é, como eu disse, um retrato perfeito das relações humanas em uma cidade gigante. Como diria o personagem de Don Cheadle em Crash, um lugar no qual as pessoas trombam violentamente umas nas outras, apenas para sentir um toque, proximidade. Com ela também compartilha falhas. Como um gás, o filme é rarefeito, vago, e falha em criar uma conexão mais forte com qualquer coisa. A questão é: Como essa fórmula vai funcionar em uma cidade como o Rio, uma cidade bem mais, digamos, líquida, na qual a tendência geral é a aproximação, e não esse afastamento cool e ausente das calçadas esfumaçadas Nova Iorquinas.

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