domingo, 19 de setembro de 2010

A Caligrafia dos Sentimentos


Filmes: Brilho de uma paixão (Bright Star, 2009) e Amor extremo (The edge of Love, 2009)
Notas: 9,25 / 7,25
Para ler escutando: Set the fire to the third bar – Snow Patrol feat. Martha Wainwright

A arte só pode vir da intensidade. Grandes obras de arte devem ser feitas por pessoas intensas, sobre pessoas intensas. Um sentimento que pode ser ignorado, deixado pra lá, esquecido na rotina não gera nada de interessante, apenas o épico, o que te tira do seu equilíbrio normal, o que você não pode ignorar, sai naturalmente na forma de poesia, filme, pintura, pois é grande demais pra ser contido por qualquer um. E a grande maioria dos sentimentos intensos são meros derivados do inspirador de gerações e gerações de poetas, o amor. A saudade, o ciúme, o luto, até mesmo o ódio, todos estão profundamente relacionados com a hoje banalizada palavra com A. E um verdadeiro poeta ou artista se entrega completamente à intensidade dos seus sentimentos, mesmo sabendo que uma chama tão forte pode consumir tudo e todos, e só é eterno enquanto dura, como diria nosso intenso poeta Vinícius.
Em 2009 o cinema inglês resolveu contar a história de dois poetas do país, John Keats e Dylan Thomas. Duas personalidades diferentes que geraram dois filmes diferentes, porém com uma semelhança. Como o personagem Dylan em “Amor Extremo” diz, o poeta se alimenta de amor, e tanto ele quanto Keats vivem desta maneira, imersos completamente em seus sentimentos.
“Amor extremo” é um retrato de um grupo de pessoas que funciona como um elástico esticadíssimo. As forças que os unem são tão intensas, os sentimentos tão fortes (e nada saudáveis), que o espectador sabe, desde o início, que alguma hora esse equilíbrio frágil acaba e o elástico estoura. Essa atmosfera de tensão é criada através do desgaste emocional constante de cada um dos membros do frágil quarteto amoroso, que é unido pelo egoísmo e imaturidade do poeta Thomas. O poeta sabe que aqueles sentimentos fortes e destrutivos são importantes para o seu ofício, e por isso os cultiva, sem se preocupar com a devastação que causa nas pessoas que ama. O filme é filmado de maneira belíssima, com uma fotografia impecável, e possui interpretações seguras de Cillian Murphy e Matthew Rhys e uma interpretação brilhante de Sienna Miller. Keira Knightley? O ponto fraco do elenco, Keira começa a me convencer de que ela nunca foi boa atriz, afinal. Um bom filme, mas que poderia ser melhor se diminuísse o tom melodramático.

“Brilho de uma paixão” é, talvez, o filme mais romântico que eu já vi. É o filme que a saga Crepúsculo queria ser, com sua história de amor impossível, sua heroína inteligente e independente e uma versão melhorada (e real) do Edward Cullen, sem precisar de glitter. A construção do amor entre o hoje famoso (e odiado pelos seus contemporâneos) John Keats e Fanny Browne é tão linda e tão sutil que é apaixonante até mesmo para o espectador. Uma vez me disseram que “Amor à flor da pele” foi o primeiro filme que retratou o sentimento amor, não apenas um amor. Com a intensidade dos olhares, versos apaixonados e magnetismo sutil, “Brilho de uma paixão” é um exercício perfeito na filmagem de um sentimento, e seu trágico final dói, mesmo para os que conhecem a história real e sabem, de antemão, o que acontecerá. O elenco está incrível, com destaque para a ótima performance de Abbie Cornish como Fanny. Jane Campion dirige esse lindo filme com segurança e precisão. Um poema visual.
Dois filmes sobre a experiência intensa de estar apaixonado. Em “Amor extremo”, Thomas destrói seus amores e amigos com o exagero e a inquietude de seus sentimentos, e o filme cai nessa mesma armadilha, sucumbindo à sua própria atmosfera trágica de ópera. Já em “Brilho de uma paixão”, a sutileza e a sinceridade emanam da tela como o fazem dos poemas de Keats, e o filme corre como um sonho bom, dando ao espectador uma nostalgia de uma época que ele nem viveu, uma época de amores líricos e profundos, ainda que trágicos.

Playlist TTF #17 – Start crying your heart out

Depois de uma sequência de playlists animadas e ensolaradas, uma mudança drástica chega na forma de nuvens cinzas no blog. Estou aqui para fornecer música-ambiente para um lugar que é inevitável de entrar às vezes, mas indesejável de ficar preso por muito tempo. Não estou falando do elevador ou do consultório de dentista. Esses lugares já têm música-ambiente, e quem fornece é a Antena 1. Eu estou falando do fundo do poço. Essa lista não fala de nenhum motivo específico que pode te levar ao fundo do poço, como luto ou fossa (essas playlists ainda estão por vir), mas é, na verdade, uma coleção de músicas que são apenas absurdamente tristes, e não dependem de um tema ou fator pra isso. Prepara o lencinho.

1-Hallelujah – Rufus Wainwright
A música mais triste de todos os tempos está se tornando um clichê, de tanto que fazem versão atrás de versão dela. A original de Leonard Cohen foi eclipsada pela definitiva versão de Jeff Buckley. Mas mesmo com o fim trágico de Buckley criando uma atmosfera ainda mais densa para sua versão, o piano solitário e os vocais cheios de alma de Rufus Wainwright conseguem ser ainda mais melancólicos.

2-Amie- Damien Rice
Damien Rice é um mestre do fundo do poço. A escolha mais óbvia aqui seria a famosa “The Blower’s Daughter”, mas é em “Amie” que a delicadeza triste da música tema de Closer ganha mais força e mais pompa com um instrumental lindo de morrer.

3-Karma police – Radiohead
Se o fundo do poço realmente tem uma trilha sonora, essa trilha sonora se chama Ok Computer pra mim. E apesar de sua letra incompreensível, Karma Police é o tipo de música que você canta em momentos de tristeza mais raivosa, quase em resmungos.

4- Amsterdam – Coldplay
Que letra, que música, que álbum, que fase sensacional do Coldplay. Amsterdam é um pedido de ajuda urgente, angustiado e sufocante, vindo de alguém que está perdendo o controle.

5- Hurt – Johnny Cash
Essa música do Nine Inch Nails sempre pertenceu ao Homem de Preto, nós apenas não sabíamos. Experimenta ver a cinebiografia de Cash, “Johnny e June”, e depois assistir esse doloroso clipe dirigido por Mark Romanek. É assistir a alguém cantando seu próprio réquiem.

6- Everybody hurts – R.E.M.
Dá pra ver, através da belíssima letra, que Everybody Hurts foi feita com o objetivo de consolar e confortar. Ela meio que falha nesse objetivo, mas é extremamente bem sucedida em me fazer chorar...toda...vez.

7-Wake up – Arcade fire
Pode parecer feliz na primeira vez que você ouvir (ou ouviu), mas a intensidade da música e a letra, que fala sobre perda da inocência e falta de esperança, é de cortar o coração. Um sorriso de mentira que esconde uma tempestade interna.

sábado, 18 de setembro de 2010

Olhando para trás


Filme: O Segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos, 2009)
Nota: 10
Para ler escutando: Love is the end - Keane

O filme “O Segredo dos seus olhos” merecia um post melhor no TTF. Merecia um texto no qual eu analisaria suas nuances, seus temas, seus personagens bem construídos. Farei isso nesse post também, mas não consigo ignorar o elefante que aparece na sala de qualquer brasileiro ao assistir essa obra prima de Juan José Campanella. Uma pergunta fica no ar, pairando acima dos questionamentos belíssimos do filme: Os argentinos fizeram o melhor filme de 2009. Se eles conseguiram criar uma indústria cinematográfica genuína e de sucesso, por que nós não conseguimos? Se eles ganharam um Oscar, glória maior do cinema mundial, por que não ganhamos nenhum até hoje?
Chegamos ao fundo do poço.Vamos escolher nosso elegível ao Oscar através de uma votação na internet. Há um bom tempo nós simplesmente não temos o que indicar. O que falta para o Brasil ter uma produção cinematográfica (até mesmo uma produção cultural) de qualidade? Falta pensamento global, primeiramente. O cinema brasileiro é pensado para as massas brasileiras. Boas histórias não possuem CEP, não precisam de uma identidade nacional, não são locais. Uma boa história é acessível para todo o mundo. O cinema brasileiro se restringe profundamente aos temas regionais. Outro problema é a influência da TV nas nossas produções. Com a ascensão da Globo Filmes como força maior do cinema brasileiro, os filmes são produzidos segundo os moldes das novelas da emissora, que perdem qualidade e público vertiginosamente. Os filmes adolescentes copiam Malhação, as comédias insossas como “Se eu fosse você” seguem a linha de uma novela das 7 e o pior: As novelas “sobrenaturais” das 6 agora invadem os cinemas. Até nossos supostos bons atores de TV parecem enfraquecer nossa produção.
Sim, nós tivemos uma exceção recente. Um dos melhores filmes da década é nosso, com muito orgulho. “Cidade de deus” só não saiu de Oscar debaixo do braço pois resolveram fingir que o filme não era estrangeiro, e indicar para os prêmios gerais. E o brilhante filme de Fernando Meirelles é uma exceção por quê? Porque é o oposto de tudo o que eu disse no parágrafo anterior. Um tema global, a criminalidade, atores novos, uma produção ousada que não buscava fazer média com o público estagnado das novelas. Não considero “Central do Brasil” uma exceção. Apenas um filme bom (e supervalorizado) que validou a regra, e tornou quase impossível pro Brasil sair da gravidade da tal regra. E enquanto o cinema argentino se torna cada vez mais consistente, a gente vive de exceções.
Voltando ao filme de Campanella, “O segredo de seus olhos” é impecável. É um thriller policial de qualidade ímpar, do tipo que não tem aparecido nem mesmo em Hollywood. Possui a mesma força questionadora do recente “Medo da verdade”, porém, enquanto o filme de estréia de Ben Affleck era mais cru, o diretor argentino mostra um alcance enorme, aplicando um verniz de classe digno de “Hollywood antiga” em partes do filme, e rapidamente injetando modernidade com cenas em plano-sequência e câmera na mão, como a genial perseguição no estádio de futebol. Além da interpretação impecável de Ricardo Darín, digna de competir pelo Academy Award cabeça a cabeça com o ganhador Jeff Bridges, o filme conta com um elenco de coadjuvantes perfeito, falha comum observada nos filmes brasileiros.
“O segredo de seus olhos” é um filme completo. É, em partes iguais, história de mistério e história de amor. É um filme político, e aborda temas como impunidade e abuso de poder. Mas o que une cada personagem ali é impossibilidade de se ignorar o passado e a necessidade de uma resolução. O passado faz parte do nosso presente. Ás vezes, ele se torna nosso presente. É incoerente fingir que nada aconteceu. O que nos resta é buscar uma resolução, da única maneira que conseguirmos. Nem sempre a maneira mais correta, como para Ricardo Morales. Nem sempre a maneira mais rápida, como para Benjamin Esposito. Mas sempre coerente com quem somos e com as nossas paixões, que como dito por Sandoval, nos definem e nunca nos abandonam, iluminadas pela meia-luz dos nossos passados.

domingo, 12 de setembro de 2010

Playlist TTF #16 – I bet that you look good on the dancefloor

Começo esse post com uma estatística falsa: 90% das festas de hoje em dia seguem exatamente a mesma estrutura. Começa com aqueles sucessos Jovem Pan, hip-hop, pop enlatado e derivados. Então, depois de arrasar com Lady Gaga, o DJ coloca o CD do David Guetta e vai dar uma volta, eu imagino, pois esse cd toca inteiro. Essa foi a melhor parte da festa. Aí vem a parte difícil. Primeiro vem o Funk (hora estratégica minha pra sair da pista) e o axé (axé requer ou o conhecimento de coreografias ou nada mais que pulos descoordenados). Agora é a hora que o DJ aproveita o grau etílico dos convidados e coloca a sessão Flashback (se tiverem adultos ligeiramente tontos na festa, essa vira a hora mais engraçada de todas). E então, vem o Trio Expulsão (Forró, pagode, Sertanejo), e no meio dos casais e das vítimas de PT (Perda Total), a festa acaba. Essa playlist é uma tentativa minha de “atacar de DJ” (porque atacar de DJ está na moda) e colocar vocês pra dançar (mesmo que você também seja uma vítima da síndrome dos dois pés esquerdos). Tentei fazer isso de um jeito que desse certo até pra quem não tem tendências indie (senão teria sido um festival de Klaxons, CSS, Late of The Pier,Justice, Delphic, New Order, The Ting Tings). Então, get on your dancing shoes and D.A.N.C.E.

1-No tomorrow – Orson

Pra começar a festa, um pop-rock dançante com uma letra que tem tudo a ver com o tema da playlist. Essa ode à vida noturna é uma boa pedida para aquela hora que está todo mundo entrando no clima da festa e analisando as possibilidades.


2-1901 – Phoenix
A música que foi eleita no primeiro post desse blog como melhor de 2009 está de volta. E nesses 8 meses, não perdeu nem um pouquinho da graça. Divertida e em ritmo de festa de verão.

3-Tigerlily – La Roux

Essa playlist foi difícil de escrever, sabia por quê? Porque eu não conseguia parar de escutar essa faixa do álbum incrível de estréia dessa dupla de Synthpop inglesa.

4-Murder on the dancefloor – Sophie Ellis-Bextor
Agora é hora de fazer aquela coreografia da qual você se arrependerá depois e fingir que não tem mais ninguém na pista.

5-My House – Kids of '88
Fui conhecer essa mistura de disco-punk, eletrônico oitentista e alguns elementos de hip-hop ontem e já viciei. Aumentando a BPM com classe.

6-Skeleton Boy – Friendly Fires
Uma música que começa com “I close my eyes on the dancefloor, forget about you, I lose myself in flashing colors” e conta com esse clipe e os passos de dança do genial vocalista Ed MacFarlane não precisa de texto introdutório aqui.

7-Toxic (Britney Spears Cover) – Those dancing days
Não podia terminar sem colocar uma música que todo mundo conhece. Mas não precisa ser necessariamente na versão original, né? A banda sueca Those Dancing Days arrasa com esse cover de um dos maiores sucessos do pop dos anos ’00. Uma pena que só tem vídeo ao vivo, mas essa música está disponível pra download grátis e legal aqui no site da NME.

sábado, 11 de setembro de 2010

Na Prateleira #2

E a seção mais preguiçosa do blog está de volta, depois de muito tempo. Essa demora é um ótimo sinal, pois indica que os últimos filmes que assisti, mesmo os ruins, me fizeram pensar e escrever alguma coisa mais substancial. Mas é impossível fugir dos filmes mais inexpressivos por muito tempo, afinal, eles representam a maior parte das prateleiras das locadoras e grande parte da péssima programação atual das salas de cinema. Vamos ao que interessa então?

Filme: Harry Brown (Harry Brown – 2009)
Nota: 5,75
Poderia ter na trilha: Runaway – The National
Você vai gostar se gosta de: Uma fusão de Busca Implacável, Skins, Laranja Mecânica e Breaking Bad.

Stanley Kubrick e Anthony Burgess estavam certos. Os jovens estão cada vez mais abraçando a ultra-violência, e a gangue de Laranja Mecânica está parecendo cada vez menos ficcional. Antes, jovens se drogavam e lutavam pois tinham ideais e sonhos, agora, eles o fazem pois os ideais acabaram. A juventude de hoje luta por nada. E é essa realidade que é mostrada nesse violento drama protagonizado por Michael Caine (competente, porém nada impressionante) sobre um fuzileiro aposentado que, após perder seu melhor amigo para a violência das gangues inglesas, resolve fazer justiça com as próprias mãos. O filme, assim como eu, não parece concordar com as ações do agressivo e amargurado Harry, que acaba com as vidas de meras crianças (que estavam, ok, se autodestruindo) mesmo quando existem outras possibilidades. Ele tem provas suficientes para mandar os jovens delinqüentes para a cadeia porém escolhe o caminho da arma. Emily Mortimer está decepcionante como uma policial idealista e Jack O’Connell mostra que o elenco adolescente de Skins promete. A direção até funciona em cenas claustrofóbicas e densas como a da compra da arma. Com um final completamente improvável e furado, e um personagem que falha em ganhar a empatia do público, Harry Brown fica bem abaixo das expectativas.

Filme: Uma Noite Fora de Série (Date Night, 2010)
Nota: 4,25
Poderia ter na trilha: New in town – Little Boots
Você vai gostar se gosta de: Comédias de ação sem muita substância

Sabe quando aquele casal lindo anuncia que está esperando um filho e você logo pensa: "Nossa, essa criança vai ser maravilhosa"? Então, acredite, esse bebê pode nascer feio. E quando anunciaram uma comédia capitaneada por duas pessoas que, para mim, representam o MELHOR do humor atual, eu pensei que o filme ia ser divino, e num chega nem perto disso. O filho feio de Tina Fey, roteirista genial de Meninas Malvadas, criadora de 30 Rock e coração da geração recente de filhos do Saturday Night Live, e Steve Carell, o homem que começou roubando a cena em filmes de outros humoristas e virou o ator mais carismático das telonas, nos trazendo personagens humanos e adoráveis, falha pois não decide o caminho que quer tomar. Se Shawn Levy, diretor medíocre que sempre erra a mão mesmo com elencos sensacionais, escolhesse um humor mais classudo e baseado em diálogos, como o observado no início desse filme, e mantivesse sua escolha, “Uma Noite Fora de Série” seria realmente genial. Mas Levy arrasta seu elenco para a comédia física e pastelão, gerando uma série interminável de clichês e cenas desnecessárias (Mark Wahlberg fazendo um papel que era destinado ao Marcos Pasquim). Uma pena.

Filme: Se beber, não case (The Hangover, 2009)
Nota: 9
Poderia ter na trilha: Chelsea Dagger – The Fratellis
Você vai gostar se gosta de: Besteirol com coração e cérebro

Tudo começou com o Frat Pack. Para quem não sabe, essa é a denominação dada pelos americanos à turma de Stiller, Black, Ferrell, Vaughn e os Wilson. A comédia escrachada orientada para adultos entrava na sua era dourada. Porém, as coisas ainda não estavam funcionando bem. Foi quando Judd Apatow entrou no time e trouxe inteligência e até mesmo sensibilidade para o mundo das piadas de duplo sentido, cerveja e palavrões. Depois dos marcos no gênero que foram “O Virgem de 40 anos”, “Ligeiramente grávidos” e “O âncora”, que apresentaram os novos ídolos do gênero, Steve Carell, Paul Rudd e Seth Rogen, Todd Philips cria o filme definitivo. “Se Beber, Não Case” não apresenta pontos fracos gritantes. Um roteiro profundamente inventivo (coisa raríssima em comédias), um elenco que surpreende, com ótimas interpretações de Zach Galifianakis, Bradley Cooper e o meu favorito ali, Ed Helms, e uma direção bem feita mostram que as piadas devem vir com o desenvolvimento da história. Numa época que os roteiros são feitos apenas para conectar piadas dignas de trailer, isso é um alívio. Depois desses bons exemplos, tá na hora de abandonar o preconceito e aceitar a dominação mundial que esses eternos frat boys (rapazes de repúblicas nas universidades americanas) estão comandando.

domingo, 5 de setembro de 2010

Playlist TTF #15 - Domingo no parque

Oh, as maravilhas da vida ao ar livre! Parques, praças, sítios, fazendas. Crianças correndo, pulando, correndo de novo e saindo sempre com um machucado bonito no joelho pra mostrar na aula de segunda-feira. Andar de bicicleta, sentindo o vento nos cabelos, a liberdade, a dor na perna. Caminhar na mata, ver os bichos, as aves, não ver os mosquitos (mas depois você vê os efeitos daqueles amáveis). Todo mundo precisa de um contato com a natureza. Para os que moram no interior, esse é um contato mais constante e próximo. Crianças realmente soltam pipa, sobem em árvore, essas coisas que eu nunca fiz na vida. Já pros filhos do concreto, a saída são aqueles programas de fim de semana (muitas vezes atribuídos aos Tupis, Ianomâmis e outros) que lotam as áreas de lazer das cidades com cores, sons e uma sensação boa pra caramba. Mesmo com os mosquitos. E acredite, eu odeio os mosquitos.

1- Parklife – Blur
Uma ode irônica ao estilo de vida do povo que mais adora parques, os ingleses, Parklife é uma das músicas-símbolo da carreira dos mais completos artistas do Britpop dos anos 90.

2- Race You – Elizabeth and the catapult
Tipo de música pra se escutar com um sorriso bobo na cara, depois de ganhar uma daquelas apostas de “vamos ver quem chega primeiro” de quando você era criança (não tirei essa idéia do nada, a letra da música é sobre isso, ok?).

3-Postcards from Italy – Beirut
Ainda junto meus amigos pra um piquenique numa campina num dia lindo de sol,ao som das melodias mágicas da trupe de Zach Condon. Ok, provavelmente não. Mas que é uma idéia adorável, é.

4-We are the battery human – Stornoway
Tive que escolher uma das muitas músicas dessa revelação inglesa de 2010 que se encaixariam como uma luva nessa lista. Mas como “We are the battery human” é um convite explícito ao homem moderno, dependente de tantos aparelhos, a aproveitar a vida ao ar livre, a se conectar apenas à natureza. E esse banjo é legal demais.

5-Life worth living – Alan Pownall
Feita tão sob medida pra uma tarde de mergulhos, corridas no calçadão e todas as coisas que as pessoas nas novelas do Manoel Carlos percebem como diversão ao ar livre. Vida longa ao Leblon.

6-Put your records on – Corinne Bailey Rae
Depois de assistir esse clipe, a vontade de pegar uma bicicleta é tão intensa que muita gente nem vai chegar a escutar a sétima música da playlist.

7-Island in the sun – Weezer
Spike Jonze fez um clipe tão convidativo pra essa canção do Weezer que você quer morar dentro daquele vídeo de alguns minutos. Uma delícia de música pra curtir um passeio.

sábado, 4 de setembro de 2010

Olá, estranho


Filme: Nova York, Eu te amo (New York I Love You, 2009)
Nota:6,25
Para ler escutando: New York I Love you, but you’re bringing me down – LCD Soundsystem

Se analisarmos uma cidade que é tão grande que comporta 18 milhões de pessoas, um indíviduo é tão relativamente pequeno que pode ser comparado com um átomo. Dessa maneira, podemos estender a analogia e dizer que a cidade é um sistema formado por uma série de átomos, que se movimentam incessantemente e de maneira pouco previsível. Uma metrópole não é um sólido, no qual as partículas se unem de maneira intensa e assim permanecem. É um fluido, um gás. Esses átomos, ou pessoas, podem se unir em moléculas. A ligação entre os átomos de uma mesma molécula, famílias, casais, amigos próximos, é mais forte e difícil de ser quebrada. Nunca impossível, é claro. Na maior parte do tempo, a interação entre os átomos solitários ou entre as pequenas moléculas desse complexo sistema é superficial. As forças que ligam átomos de um gás são muito, muito fracas. Elas se aproximam, se atraem, colidem e se repelem, cada uma seguindo seu rumo, e assim a dinâmica interna do gás funciona. Nessas colisões, as trajetórias dos átomos podem ser alteradas, mesmo que um pouquinho. Se a colisão for forte o suficiente, uma ligação mais firme pode ser construída. Mas reações só acontecem em situações muito especiais.
Nova York, a metrópole mais famosa do mundo, funciona assim. E há tempos, muitos cineastas-cientistas apontam seus microscópios pra Big Apple, teorizando sobre o intrincado movimento dos moderninhos átomos desse vapor. O último esforço desses cientistas é uma série de curtas interligados, chamada de “Nova York eu te amo”, parte de um projeto que já capturou Paris e tem como próximo alvo nosso lindão Rio de Janeiro. E a obra captura de forma precisa essa realidade. O que não significa que o filme não tem grandes falhas.
Como o filme é uma soma de suas partes, é mais fácil comentar cada segmento separadamente. Alguns diretores se adaptaram melhor ao formato do projeto do que outros, afinal, o desafio de criar um arco de história bem montado que dure 10 ou 15 minutos apenas é bem difícil. Yvan Attal e Brett Ratner foram os que mais entenderam e transmitiram o feeling do filme. Attal, ator francês, cria um curta urbano, surpreendente e original sobre a natureza dos encontros amorosos na cidade, e conta com Ethan Hawke, Maggie Q, Chris Cooper e Robin Wright Penn no seu brilhante segmento. Brett Ratner aproveita o jovem talentoso (e fofo) Anton Yelchin (que, como eu já disse no twitter, devia ter sido o novo Peter Parker) em um curta que começa estranho e meio sem jeito, mas termina tão bem que se redefine. Muito bom pra alguém que já dirigiu Hora do Rush.
Agora, aos medianos. Fatih Akin dirige um misterioso e interessante segmento, que explora a relação de um pintor recluso e estranho e sua musa, bem interpretada por Shu Qi. Natalie Portman cria uma redação de Enem, politicamente correta e certinha, na sua estréia como diretora e Jiang Wen dá um início moderninho porém repleto de coincidências improváveis com o ladrão Hayden Christensen e sua vítima Andy Garcia. O segmento que relata o encontro de Drea DeMatteo e Bradley Cooper é ruim, porém faz parte da reflexão do filme sobre a fugacidade dos encontros das pessoas em NY.
O problema aqui são os ruins. Shunji Iwai praticamente revisita Elizabethtown de Cameron Crowe e ainda traz de volta pro papel principal Orlando Bloom, porém o faz da maneira mais irritante e sem personalidade possível. Mira Nair inicia seu curta com um ótimo diálogo entre Natalie Portman e Irrfan Khan, mas tudo descamba pra uma versão forçada de um filme de Bollywood.
Mas o destaque negativo vai para, talvez, o diretor mais aclamado da turma. Shekhar Kapur, maestro da franquia Elizabeth, pega uma história do finado Anthony Minghella e faz o curta mais incompreensível, aflitivo e pomposo de todos, e quase desanda o filme inteiro. Olha que ele tinha Julie Christie, John Hurt e um bizarrísimo Shia LaBeauf nas mãos.
Deixei para o final o sublime. O segmento dirigido por Joshua Marston, que acompanha o casal Cloris Leachman e Eli Wallach (ambos fantásticos) numa caminhada pela Big Apple no seu aniversário de 60 e poucos anos de casamento, é um oásis de sutileza e humor nesse experimento. O velho casal é a antítese perfeita de todo o resto do filme: Dois átomos que permanecem juntos, firmes. O curta mostra a relação daqueles que viveram em tempos mais lentos, quase sólidos, com o caos veloz da cidade vapor.
“Nova York eu te amo” é, como eu disse, um retrato perfeito das relações humanas em uma cidade gigante. Como diria o personagem de Don Cheadle em Crash, um lugar no qual as pessoas trombam violentamente umas nas outras, apenas para sentir um toque, proximidade. Com ela também compartilha falhas. Como um gás, o filme é rarefeito, vago, e falha em criar uma conexão mais forte com qualquer coisa. A questão é: Como essa fórmula vai funcionar em uma cidade como o Rio, uma cidade bem mais, digamos, líquida, na qual a tendência geral é a aproximação, e não esse afastamento cool e ausente das calçadas esfumaçadas Nova Iorquinas.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

À Deriva


Filme: “Direito de amar” (A Single Man, 2009)
Nota: 8
Para ler escutando: Falling out of reach - Guillemots

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Algumas áreas da arte dependem dessa afirmativa e constantemente a comprovam. A pintura e a escultura, por exemplo, expressam sentimentos, histórias completas através de uma imagem, de um frame, sem a necessidade do movimento. Com a criação do cinema, no qual aproximadamente 30 imagens são projetadas por segundo, dando a idéia fascinante de movimento, a significância e a plasticidade da imagem são muitas vezes ignoradas pelo artista em detrimento do roteiro, da qualidade das falas, da continuidade da história.
Tom Ford é um representante da única forma de arte que podemos usar, e que cada vez mais se torna uma parte importante da nossa identidade: A Moda. No seu ofício, a imagem é a coisa mais importante. A fluidez do tecido, o movimento da roupa ao andar, as formas, as cores. E “Direito de amar”, é, acima de tudo, uma afirmação de Tom Ford como artista e uma afirmação da imagem como comunicação de sentimentos.
Como Ford é um iniciante na arte de contar histórias na telona, em alguns momentos suas metáforas bem pensadas baseadas na mudança de esquemas de cor e iluminação se tornam um pouco “escola de cinema” demais. Pretensiosas, talvez. Normalmente isso seria condenável, mas nesse caso, tudo é tão cheio de significado e belo, que é louvável. Na representação da angústia e depressão como um afogamento, nos lampejos de vitalidade do protagonista e as cores vivas e quentes que os acompanham, tudo ultrapassa a beleza estética e se torna quase literário. O estilista também utiliza closes como ninguém, e, surpresa, figurinos e maquiagem fantásticos. Citando a revista Bravo em uma definição do genial “O Conformista” de Bertolucci, a imagem é pensada como pintura.
Apesar do seu amor pela imagem, “Direito de amar” não negligencia um enredo sólido e extremamente denso, que relata um dia decisivo na vida de George, um professor que perdeu há oito meses seu parceiro, com quem viveu por mais de uma década. O filme dita seu próprio ritmo ao espectador, passando como um dia de verdade por nossos olhos, com momentos lentos e monótonos e outros cheios de vida. A lentidão não indica falta de intensidade hora nenhuma. Se você se entrega ao passo do filme, tudo funciona bem. Porém nem todos vão curtir a narrativa arrastada do filme de Ford.
Colin Firth, em mais um papel do engravatado e contido homem inglês, mereceu cada voto que o levou à indicação ao Oscar 2010. Firth recebe finalmente um papel difícil na sua carreira, e assim mesmo, de primeira, brilha. Suas expressões faciais sutis e certeiras ajudam na proposta do filme de fazer cinema como arte visual acima de tudo. Julianne Moore está estranha, e reveza momentos de exagero com momentos de grande atriz. Matthew Goode está bem, bem melhor do que em Watchmen, e anotem isso aqui: Desde “Um Grande Garoto”, passando pela genial série Skins, Nicholas Hoult tem futuro e muito talento.
“Direito de amar” é um filme sobre amor e perdas, e os efeitos que estes causam na alma de uma pessoa. Os sentimentos são vistos como um mar, e George está se afogando. Com o rompimento brusco do seu maior ponto de referência , Jim, o professor fica à deriva. A única outra âncora em sua vida, sua amiga Charley, está tão perdida quanto ele. Quando vê o mundo comandado pelo medo, ganância e preconceito, George se deixa levar pela correnteza, se afastando da sociedade que tanto odeia.E como o sociólogo Durkheim teorizou em sua obra, o suicídio é próprio dos que se distanciam tanto da órbita da sociedade que a gravidade não os segura mais. É um filme sobre o desejo de parar de respirar de um homem que chegou ao fundo do seu próprio mar. Mas quando os pés de qualquer um atingem o fundo desse oceano sufocante, é a melhor hora de usar esses pés para dar um impulso a mais e ver as belezas da superfície que Tom Ford soube retratar tão bem.