quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Autópsia



Filme: Namorados para sempre (Blue Valentine, 2010)
Nota: 9
Para ler escutando: The Hardest Part/Postcards from far away - Coldplay

O ciclo da vida e a trajetória de um relacionamento guardam inúmeras semelhanças. No início, os primeiros passos são tomados com olhares curiosos, entusiasmo, fascínio. Nessa época, como nos nossos primeiros dias de vida, o coração sempre está acelerado, nos atropelando, as palavras fogem e cada momento é novo, inédito. Mas crescemos e a verdade que descobrimos é que construimos mitos como Papai Noel e Coelho da Páscoa às pressas, e projetamos esses mitos no outro, mitos praticamente fadados a uma queda.

"Fadados". A verdade mais dura sobre os relacionamentos humanos é exatamente a que nos é apresentada na película Namorados para sempre (prêmio de título mais incoerente do ano). Assim como a vida, o amor, na sua forma mais pura, teria um prazo de validade. Como um doente terminal, tudo em um relacionamento é definido pelo momento no qual a trepidante linha do monitor cardíaco, cheia, sim, de altos e baixos mas sempre viva, presente, se achata em um bipe. Em vários casos, a morte é unilateral. O resultado é que, no silêncio do outro, o vivo tenta, às vezes, todas as suas maneiras de ressucitação. Dos choques violentos, como desfibriladores, das brigas até a calma das terapias alternativas. Derek Cianfrance filmou exatamente essa sensação, e o resultado é o doído e incômodo, como deveria ser.

Blue Valentine acompanha um relacionamento precipitado, e o retrata em dois momentos diferentes. O filme oferece recortes da vida de Dean e Cindy juntos, sem perder muito tempo desenvolvendo a história e a personalidade de seus indivíduos. Conhecemos Dean e Cindy momentos antes do primeiro encontro e nos despedimos do casal no momento do fim. Dessa maneira, Cindy permanece como uma criatura misteriosa, que deixa, desde o início do filme, a impressão de um passado amoroso e familiar complexo. Já Dean é um personagem extremamente transparente.

As atuações de Ryan Gosling e Michelle Williams são completamente devastadoras. Ryan, que merecia, talvez, uma indicação ao Oscar, revela perfeitamente o caráter sonhador de Dean, enquanto Michelle brilha em cada micro-expressão de repulsa, cada empurrão, cada choro contido. O filme é deles. A fotografia de Blue Valentine só reforça o caráter documental da obra, realista até o último frame, realismo esse que incomodou a sempre conservadora censura americana.

Alguns dizem que Blue Valentine oscila entre os momentos felizes do início do relacionamento de Dean e Cindy e os seus suspiros finais. Não, Blue Valentine mostra a morte do amor entre o casal e volta ao passado para revelar os sinais escondidos por trás dos sorrisos e ukeleles, o prazo de validade sempre presente nessa intensa e precipitada relação. Tudo ali apontava para o fim, afinal, o mito do herói Dean criado por Cindy vai ruindo aos poucos com a apatia e o consumo de álcool do marido, e com seus próprios sonhos, abandonados.

O primeiro encontro do casal é cheio desses sinais. Dean canta uma música chamada "Você sempre machuca aqueles que te amam", mostra um medalhão de um casal falecido e diz que pretende escapar da morte. A morte aqui pode ganhar um sentido figurado, e Dean não escapa.

Na primeira cena de Blue Valentine, já é possível identificar que o amor de Cindy morreu. O que resta a Dean são tentativas, infrutíferas, de se comunicar com os mortos. E ao diretor, resta a missão, muito bem cumprida, de realizar uma autópsia minuciosa perante as câmeras, com cortes sem direito a anestesia e uma garantia de preservação no formol da história recente do cinema.

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