domingo, 6 de fevereiro de 2011
Vício e virtude
Filme: O Vencedor (The Fighter, 2010)
Nota: 9
Para ler escutando: Boxer - The Gaslight Anthem
"Todas as substâncias são veneno, não existe uma que não seja veneno. A dose certa diferencia um veneno de um remédio" Paracelso, pai da Toxicologia
Veneno. Substância tóxica. Algo que altera o organismo, prejudica seu funcionamento, paralisa, destrói, tira vidas. Em alguns casos, a administração desse veneno é forçada, com a violência de uma picada de cobra ou uma injeção letal em um prisioneiro. Mas ainda mais violentos são os venenos que se disfarçam, e tornam o envenenado um escravo. Ele encontra a segurança apenas em sua toxicidade, e ignora seus danos. O Vencedor é um filme sobre venenos, ora externos, como o vício de Crack, ora internos, como o próprio sangue e uma família destrutiva e tóxica.
A dualidade veneno/remédio, proposta por Paracelso, está representada perfeitamente pela família de Micky Ward. Enquanto o crack é o veneno absoluto e vilão do filme, o ambiente e as relações são venenos relativos, que paralisam a carreira e a vida de Micky mas também são essenciais para ele. Apenas quando barreiras são criadas e o consumo é reduzido, a influência, antes parasita, da família na sua vida pode se tornar benéfica. Dessa maneira, O Vencedor é um filme sobre a reabilitação de dois homens, que só se livram dos seus venenos quando a vida os obriga.
O Vencedor é um filme extremamente equilibrado. Praticamente sem ceder ao melodrama, David O. Russell mistura doses de humor e drama e mantém o espectador ligado durante toda a película. Não é todo filme esportivo que transforma o cinema em uma verdadeira arquibancada, com direito a torcida genúina na luta final de Micky. Mas é quando trata de conflitos familiares e esquece o boxe que a obra de Russell realmente brilha. A sequência de cenas que acompanham o lançamento do documentário sobre Dicky é de partir o coração.
O filme é um retrato devastador do vício, que tira o foco comum dos filmes sobre drogas, como imagens chocantes, e revela os efeitos do abuso de substâncias também nos familiares do viciado. Dicky Eklund é um personagem complexo, idealizado e desprezado pelo seu povo em diferentes momentos,e se droga para tornar real a mentira sobre a qual fundamentou a sua vida, um tropeço de Sugar Ray que lhe cedeu o irônico título de "Orgulho de Lowell".
As atuações merecem atenção mais do que especial. Christian Bale, merecedor do título batido de "camaleão", não interpreta Dicky, ele se transforma completamente no personagem. Uma sequência, na qual Dicky canta I Started A Joke para a matriarca Melissa Leo, já é suficiente para garantir prêmios para Bale e Leo, que se esforça para não olhar para a destruição do filho até se render ao amor maternal. Wahlberg é uma calmaria em plena tempestade, e merecia mais atenção por seu bom desempenho.
O Vencedor, assim com a vida de Micky Ward, é um campo minado de clichês. Um filme que ganha a descrença de muitos por retomar temas como o boxe, as drogas, a família, a classe baixa, e até mesmo por seu final feliz. Mas assim como o boxeador, que é instruído por seu irmão a pensar em toda sua vida no momento de sua última luta, O Vencedor acha a força no meio dos lugares comuns pois tem o coração no lugar certo e é fiel à sua boa história. Também como Micky Ward,o filme deixa de ser um saco de pancadas para os grandes astros do ano e se torna uma zebra, uma surpresa vencedora.Clichê? Talvez. Apenas um retrato fiel de um clichê que, infelizmente, não nasceu no cinema, e sim na vida real de tantos.
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