segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sem anestesia


Filme: 127 Horas (127 Hours, 2010)
Nota: 9,25
Para ler escutando: Jejune Stars - Bright Eyes

Tomar decisões não é fácil. Raramente uma decisão é tomada com precisão cirúrgica. A vida não é um hospital imaculado, no qual todos os caminhos são escolhidos com porcentagens de sobrevivência exatas e medidas de segurança. Muitas vezes, devemos cortar aquilo que amamos porém está nos prejudicando, nos prendendo, nos mantendo em cativeiro. Repito, esse corte raramente é feito com um bisturi preciso e anestesia local. Cortes doem. São feios. Mas as decisões nem sempre são cheias de alternativas. A vida é cruel em suas múltiplas escolhas. Para Aron Ralston, a vida deu duas alternativas: Sobreviver ou não. O gabarito é marcado no instinto, não na racionalidade.

O instinto de sobrevivência é uma das forças mais intensas que a humanidade conhece. Tatuada em nosso cérebro, em nosso sistema, está uma lei simples: Se mantenha vivo. O nosso organismo faz isso naturalmente. Se estamos com frio, o feedback orgânico entra em ação e acelera o pulso, cria espasmos musculares. Se estamos em perigo, a adrenalina aumenta nossos reflexos e dá mais vigor aos nossos membros. Mas se é assim, porque alguns de nós buscamos o perigo e arriscamos a vida? Porque Aron Ralston, depois de sofrer por 127 horas, continua praticando esportes radicais? É bem simples. Estar vivo é também se sentir vivo. Então, a regra continua em vigor: Se existe um hábito ou coisa no mundo sem a qual você não se sente vivo, você não a abandona.

127 Horas não é um filme fácil. Restrito a um cenário que oscila entre o amplo e o claustrofóbico, Danny Boyle, um dos cineastas mais hiperativos da história, cria uma estrutura de delírios e flashbacks para gerar mais energia cinética e contrastar com a prisão de Aron. Boyle exagera no sentimentalismo em alguns momentos, mas isso era completamente necessário para que o filme conseguisse alçar vôo e não se tornar entediante e quase inassistível. 127 Horas, de certa maneira, transforma o gênero auto-ajuda em arte.

Mas o mais fascinante da direção de Boyle é que sua câmera nunca se vira ou oculta o incômodo, o gráfico. Essa missão, de decidir virar o rosto por fraqueza, é deixada nas mãos do público. Uma forma de expor ainda mais esse tema de decisões difíceis da película. Fica aquela pergunta: Você fecha os olhos? E se fosse você? A conexão criada pelo filme, sua direção, escrita e protagonista, com o espectador é absurda. Você se alegra com Aron quando o lampejo de sol se aproxima, você se ilude e se decepciona com as alucinações, você se emociona. Esse foi o primeiro candidato ao Oscar de 2011 que me fez chorar. A trilha sonora do filme é impecável, e sua sequência de abertura, a melhor de 2010.

Sim, 127 Horas não é um filme fácil, especialmente para seu protagonista James Franco. Em um dos papéis mais desafiadores de 2010, Franco e seu personagem se misturam, e vemos na tela a história de dois jovens amadurecendo: Um ator, que antes gerava descrença, se afirmando com seriedade e qualidade e um rapaz inconsequente e impulsivo crescendo com a dor e as decisões difíceis.

Em Amor Sem Escalas, de 2009, o personagem principal faz uma pergunta: "Quanto pesa a sua vida?". Mas como nos livramos do peso? Nos isolamos, nos livramos daquilo que é pesado? Em Amor Sem Escalas, a conclusão é que esse isolamento é impossível. Em Na Natureza Selvagem, de 2007, a conclusão é que esse isolamento é fatal. Em 127 Horas, a conclusão é que, para nos livrarmos do peso, pagamos um preço. O peso da rocha e da solidão é ainda mais insuportável do que o peso da vida da qual fugimos. A ruptura era necessária. Sem precisão cirúrgica. Sem anestesia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário