sábado, 5 de fevereiro de 2011

Alto Contraste




Filme: Cisne Negro (Black Swan, 2010)
Nota: 9,75
Para ler escutando: Black Mirror - Arcade Fire (Cisne Negro) / Munich - Editors (Cisne Branco)

"The only person standing in your way is you. It's time to let her go." Thomas Leroy (Vincent Cassel)

A luz e a escuridão. Essa dualidade é foco de histórias e lendas desde o tempo das mitologias. Dos Doppelgängers do folclore antigo, os gêmeos do mal, passando pela obra de Guimarães Rosa até chegar em contos da cultura moderna como Star Wars, esse contraste entre as trevas e a luz já recebeu diversas interpretações, mas talvez, nenhuma tão interessante quanto a visão chinesa, o Yin e o Yang. Os opostos complementares. A luz e a escuridão não representam o bem e o mal, o eterno chiaroescuro que divide com fronteiras rígidas o que deve ser feito e o errado, o herói e o vilão. Eles devem coexistir em equilíbrio. Quem vive na escuridão não enxerga o que está na sua frente, porém quem cria um mundo de claridade excessiva, é cegado pela luz na mesma medida. E da cegueira, surge a loucura. E como diria Goya, "O sono da razão produz monstros".

Outro mestre do passado que usou o contraste entre a luz e a escuridão foi o compositor Tchaikovsky, ao criar sua obra O Lago dos Cisnes. Em Lago dos Cisnes, a luz e sua ausência são representadas pela romântica Odette e a sedutora, e filha do vilão, Odile. 134 anos depois da composição desse balé, Darren Aronofsky utiliza a polarização de seus personagens para criar um assombroso conto psicológico de repressão e amadurecimento, o pesadelo coreografado de Cisne Negro.

A (des)construção do personagem de Nina Sayers em Cisne Negro é uma das histórias mais fascinantes que o cinema viu recentemente. Cada elemento de cena compõe Nina, com sua identidade plena de Cisne Branco. O seu olhar, suas expressões contidas já revelam as comportas de sua personalidade, que seguram uma verdadeira tempestade interna. Se a face de Natalie Portman não indica sua repressão para os mais distraídos, todos os elementos de cena amplificam o poder de sua performance, suas roupas claras, seu quarto infantilizado. E seu controle ganha uma forma externa através da sufocante figura de sua mãe.

Mas no meio de tanta luz e pureza, é impossível não reconhecer instantaneamente que existe um desequilíbrio na vida de Nina. Thomas chega como uma perturbação na aparente calmaria, uma tentativa de quebrar a tensão superficial da água do inconsciente de Nina. Mas a tentativa não gera pequenas ondas e imperfeições, gera uma tsunami incontrolável, crua e elétrica. Do desequilíbrio inicial nasce outro, diferente porém igualmente perigoso. Dessa maneira, nasce Lily, um reflexo sombrio de Nina, um artifício usado pela mente do Cisne Branco, desafiando a aparição do Cisne Negro.

Darren Aronofsky utiliza todas as armas que possui para que você sinta o filme, ao invés de assistí-lo. O exagero visível e as utilizações do gênero terror podem parecer excessivas (como na segunda cena do hospital, cena de certa maneira desnecessária) mas tudo está a serviço de algo maior, um cinema que ultrapassa, com suas imagens e roteiro, aquela barreira confortável das premiações e ousa, como Inception ousou no mesmo ano, entrar na arquitetura da mente para buscar histórias mais profundas e grandiosas. Fotografia e trilha-sonora impecáveis, culminando em uma das cenas mais bonitas que eu vi nesse ano em uma sala de cinema, a sequência de dança do Cisne Negro. Natalie Portman está indescritível como Nina.

Cisne Negro é também um filme sobre o processo da arte e o esgotamento que ele pode provocar. Para atingir a perfeição, Nina deve ultrapassar todos os seus limites, matar uma parte de si. Da destruição nasce a arte na sua forma mais sublime. Os exemplos desse processo são inúmeros na arte, por exemplo, Heath Ledger e seu Coringa, um preço alto demais a ser pago pela eternidade de uma obra. A busca pela perfeição pode consumir um indivíduo. E é exatamente a busca por essa perfeição que impede o florescimento da mesma.

3 comentários:

  1. Mais um belo texto, Ana. O que mais gosto no filme é justamente o fato de ele assumir o clichê do contraste, sem frescuras, e partir logo para o que interessa que é a desconstrução da personalidade da protagonista. Grande filme.

    Renato.

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  2. Ana!

    Vi o filme esse final de semana, e realmente eu senti o filme. Ouso dizer que perdi a respiração em alguns momentos, ele é imperdivel. Mais acho que vou fazer uma pergunta meio boba, mais vamos la: o que acontece no final? se vc nao quiser postar a resposta aqui, por causa das pessoas que ainda nao viram, por favor me mande por email!
    Obrigado,

    Matheus Navarra.

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  3. Hahahaha Opa. Espero que ninguém mais leia, mas... well, acho que ela, ao se golpear com um caco do espelho, ela mata o "cisne branco" da sua personalidade, a parte que a impedia de ser completa, aí ela dança com perfeição após o sacrifício e morre. Mas isso tem muito espaço pra discussão. Muito psicológico.

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