quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Família Real



Filme: O Discurso do Rei (The King's Speech, 2010)
Nota: 8,25
Para ler escutando: I Can Talk - Two Door Cinema Club

Amigos são a família que podemos escolher. Essa frase, clichê, abre muitas possibilidades. Especialmente quando as diferenças entre qualquer um de nós e a nossa família se tornam grandes demais, a tendência é que procuremos os amigos mais parecidos conosco que pudermos encontrar. Uma pena. Afinal, poucas coisas podem nos ajudar a crescer como amigos que, de tão diferentes, nos tiram completamente da nossa zona de conforto. Uma zona de conforto que nem sempre queremos abandonar.

O que delimita essa zona de conforto? Podem ser os muros de um palácio, um problema que te impede de crescer e se impor ou a convencionalidade de uma história. E, enquanto seu personagem principal consegue quebrar essa casca, o filme "O discurso do rei" não consegue o mesmo feito e é vitimado pelo mesmo mal do rei George: Uma gagueira, uma lentidão excessiva, um roteiro que fica restrito a um tema e passa tempo demais desenvolvendo uma ideia que, se não gaguejasse, transmitiria em segundos.

Porém, também como seu personagem principal, O Discurso do Rei consegue transpor esse pequeno problema de comunicação lenta e se tornar um filme correto e, em certa medida, fascinante. Completamente britânico em seus momentos de humor e drama, Tom Hooper dirige a película de maneira peculiar, com tomadas interessantes, bela fotografia e um certo grau de excentricidade, curioso para um filme tão convencional, tão "pronto para o Oscar".

Colin Firth e Geoffrey Rush brilham, mesmo em personagens um pouco bidimensionais quando comparados com seus concorrentes no Academy Awards. Colin, que realizou uma das interpretações mais inspiradas de 2009 como um professor em luto em Direito de Amar, e vai finalmente se consolidar como grande ator, recebendo reconhecimento pelo seu "Bertie" revoltado, inseguro porém adorável. Rush não é tão exigido quanto Christian Bale em O Vencedor, mas é impecável como o peculiar terapeuta de voz. O resto do elenco não é tão afiado assim. Helena Bonham Carter não parece se encaixar naquele papel mais tradicional, engessado, e Guy Pearce irrita como Edward, um personagem que se torna um vilão sem motivos justos.

O eixo que move O Discurso do Rei é a dinâmica entre dois homens que não tiveram nenhum preparo para exercer cargos e funções intimidadoras. Porém, com todas as suas imperfeições e despreparos, o que fala mais alto é outro elemento: O destino. Maior do que qualquer cálculo de probabilidade, algo une as trajetórias de um pobre australiano e o líder de um dos maiores impérios. Eles, tão diferentes, são extremamente parecidos em suas inadequações, no carinho com os filhos, nas falhas. E como em uma boa amizade, eles se impulsionam em direção a esse destino, ora com tapinhas nas costas, ora com empurrões bruscos. Mas o resultado é sempre um passo a frente.

Outro mérito de O Discurso do rei é humanizar a realeza britânica. Com falhas, preconceitos, rixas e tradicionalismos, vemos, como em outro sucesso do cinema recente, A Rainha, todas as engrenagens de um sistema que é visto pelo olhar externo como antiquado, ultrapassado, polêmico. O Discurso do Rei coloca a "família" de volta ao termo Família Real. Uma família disfuncional como qualquer outra, apenas escondida por muros maiores.

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