sábado, 17 de abril de 2010

A arte de fazer sentir


Filme: A vida secreta das abelhas (The secret life of bees, 2009)
Nota: 8,5
Para ler escutando: Tender - Blur

Eu sempre fui de chorar em filme. Dos densos como “Menina de ouro” aos leves como “Simplesmente amor”, nunca tive vergonha de sair de uma sala de cinema com meu nariz de Rudolph, a Rena, pós-choro. Mas alguns filmes que fazem a maior parte das pessoas chorarem, simplesmente não funcionam comigo. Em Marley e Eu, não derramei uma lágrima sequer. Não gosto de um filme que parece se esforçar, em cada frame, em cada diálogo, pra fazer chorar. Outro caso que não me levou aos prantos foi Preciosa. O filme joga as tragédias no espectador de forma violenta, “na cara”, demais. Eu passo tempo demais sentindo repulsa, raiva, nojo, para sentir emoção genuína.
Mas alguns filmes me causam um fenômeno estranho, e vários desses filmes acabam parando na minha lista de favoritos. Nesses, eu não choro em uma cena específica, épica, gloriosa, que faz você derramar litros de lágrimas instantaneamente. O choro vem fracionado, tímido, porém constante. Em alguns casos, eu nem sei exatamente o que está me emocionando (“Uma vida iluminada”, por exemplo). Em outros, é mais fácil definir. Isso aconteceu com “A vida secreta das abelhas”.
Quando um cineasta resolve abordar um tema extremamente pesado, existem dois caminhos que ele pode escolher. Ambos os jeitos podem gerar bons filmes, mas nenhum diretor consegue ser bom nos dois. Alguns escolhem a franqueza, a violência, o visceral, como os fantásticos Gladiador e Hotel Ruanda. E outros escolhem a sutileza, a imagem, o silêncio, como “O Leitor”. O filme de Gina Prince-Bythewood, “A vida secreta das abelhas”, trata de um tema extremamente denso: Uma menina que aos 4 anos de idade, mata acidentalmente a própria mãe. Isso é apenas o tema central, que é cercado por diversos outros assuntos pesados, como o racismo no sul americano na década de 60, a loucura e a violência doméstica. Tinha tudo para virar um melodrama incômodo. Por que isso não acontece? Pela sutileza da direção e pelo talento incrível de seu elenco.
Lily Owens, a jovem garota que carrega uma culpa e um vazio inimagináveis, só podia ser interpretada por Dakota Fanning. Alguém ainda duvida que essa menina vai ser uma grande atriz? Eu não concordo com essa pergunta que fiz. Ela já é uma grande atriz. Dakota não busca saídas fáceis, e cria uma Lily inesperada, que apesar de tudo que viveu, ainda vê o mundo com os olhos de criança.
Queen Latifah se afasta completamente da sua personagem habitual, cheia de marra, e encarna uma mãezona acolhedora, paciente e sábia. Essa mudança mostra que a vencedora do Oscar por Chicago tem alcance sim, e talento de sobra. Sophie Okonedo também faz uma personagem memorável, importantíssima para a trama, pois mostra à Lily a importância de se permanecer sensível, mesmo quando o mais fácil seria afastar os sentimentos. Paul Bettany, apesar de não possuir muito tempo de cena, faz o dever de casa como o pai violento, emocionalmente devastado e complexo de Lily. Já Alicia Keys, não convence e até atrapalha a credibilidade de algumas cenas. Exagerada e caricata, só funciona na única cena que resolve não fechar a cara e cruzar os braços, após ser molhada por Lily.
Em um ano que o Oscar de melhor direção foi, pela primeira vez, concedido à uma mulher, esse filme é um triunfo da sensibilidade feminina atrás das câmeras. Cenas como a primeira caminhada da personagem principal através de sua nova casa, e da caixa em meio a plantação, falam mais sobre uma personagem com imagens que muito filme tenta falar com palavras.

Dessa vez, a letra do “Pra ler escutando” define muito o espírito que o filme traz, da importância de ser amado para a completude de uma pessoa. E duas personagens do filme, Lily e June, trazem uma dificuldade enorme de aceitarem o amor do próximo. Lily, apesar de ansiar que a vida a prove o contrário, não sente que merece ser amada, após as tragédias que cercaram sua infância. June parece sentir que se permitir ser amada a tornaria mais frágil, menos senhora de si, menos independente. “A vida secreta das abelhas” é um filme doce, assim como o mel, seu tema recorrente. Isso pode incomodar aqueles que possuem uma visão mais amarga da realidade. Mas são exatamente esses que devem assisti-lo, e deixar o motivo de sua amargura nas rachaduras do muro de pedra de May. É um filme sobre a arte de saber sentir o amor e entender os sentimentos do outro, em um mundo que parece preferir sentir ódio e culpa.

P.S.: Caro Peter Jackson, é assim que se faz uma adaptação de livro sobre uma pré-adolescente que apesar do sofrimento, não esquece que é uma pré-adolescente. Saoirse Ronan, é assim que se interpreta a tal pré-adolescente.

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