Existe uma diferença básica entre o crítico e o fã, seja na música, no cinema, em qualquer meio artístico de sua escolha. O crítico que você lê diariamente é forçado a ser imparcial e acima de tudo, não-comparativo. O crítico não analisa um filme em comparação com outro que ele viu no mesmo mês, não deve condenar uma banda pois ela não fez outro álbum exatamente igual ao seu favorito. O crítico que você lê diariamente, você só o conhece a partir da opinião dele sobre um caso particular de arte, você não pode saber pelos seus textos se ele prefere terror ou comédias românticas, synth-pop ou grunge.
Um fã é subjetividade pura. Nos próximos meses, dedicarei os domingos do Through The Frames para um exercício interessante (e que, ao começar, não esperava que fosse tão desafiador). Tranco por um dia a crítica em um espaço na minha alma e deixo a fã digitar. Aqui não serão eleitos os melhores - serão expostos os meus favoritos. Começamos com um tipo de lista que todo fã de música tem em seu cérebro, guardada em alguma gaveta mental. 21 versos de músicas que me fazem retornar ao início de alguma música apenas para ouvir aquelas palavras novamente.
"If the children don't grow up,
our bodies get bigger but our hearts get torn up.
We're just a million little god's causin rain storms turnin' every good thing to rust.
I guess we'll just have to adjust."
Arcade Fire - Wake Up
Algumas músicas não carregam em si a menor piedade em relação ao ouvinte. Se durante toda a extensão de Wake Up o Arcade Fire descreve a devastação que o tal "amadurecimento" causa em cada um de nós, eles encerram a primeira parcela desse hino com a frase mais dolorosa de rendição: não há saídas, soluções, fugas... nós só temos que nos ajustar ao mundo que nos destruiu.
"Blackbird singing in the dead of night,
Take these sunken eyes and learn to see.
All your life,
You were only waiting for the moment to be free"
The Beatles - Blackbird
Algumas pessoas definitivamente odeiam esse trecho agora. Mais especificamente, as pessoas ao meu redor no show do Paul no Rio, pessoas que tiveram que aguentar alguém cantando isso em berros desafinados, com a cara inchada de choro e a sensação de que o sentido da vida estava ali. Se a primeira da lista fala sobre a perda da esperança, essa obra-prima dos Beatles fala sobre seu renascimento.
"How to fight loneliness
Smile all the time
Shine your teeth to meaningless
And sharpen them with lies"
Wilco - How to fight loneliness
Jeff Tweedy canta isso com a angústia e acidez de alguém que acredita que não é possível se retirar do isolamento sem abandonar completamente sua essência.
"And I am a writer, writer of fictions
I am the heart that you call home
And I've written pages upon pages
Trying to rid you from my bones "
The Decemberists - The Engine Driver
Colin Meloy, do The Decemberists, é meu letrista favorito desde Morrissey. Mas aí você pode perguntar: por que logo esse trecho, de Engine Driver? Não sei, só sei que umas 3 vezes por semana eu fico com esse trecho, só esse trecho, pairando na minha cabeça. Nós que gostamos de escrever estamos sempre nesse processo de catarse, então acho que esse trecho resume bem o ofício.
"The screen door slams
Mary's dress waves
Like a vision she dances across the porch
As the radio plays"
Bruce Springsteen - Thunder Road
Escute isso de olhos fechados e deixe que a imagem se forme em sua cabeça. Bruce Springsteen fez em Thunder Road um verdadeiro filme para os ouvidos, e um hino que eu ainda sonho em cantar junto com um mar de pessoas em um festival.
"Gravity keeps my head down
Or is it maybe shame
At being so young and being so vain"
Manic Street Preachers - If you tolerate this...
O manifesto revolucionário do Manic Street Preachers é um verdadeiro tapa na cara, e esse trecho, juntamente com "And on the street tonight an old man plays with newspaper cuttings of his glory days", são os maiores causadores de arrepios nessa que é uma das minhas músicas favoritas da história.
"We're not terrific but we're competent."
Belle & Sebastian - This is Just a Modern Rock Song
Algo para repetir para si a cada dia. Foi difícil escolher um trecho de uma música com versos como "I'm not as sad as Doestoevsky, I'm not as clever as Mark Twain, I'll only buy a book for the way it looks, And then I stick it on the shelf again" mas sua última frase conforta aqueles que tem expectativas e exigências altas demais para si, e ressoa por horas após o fim da música.
"It comes apart,
the way it does in bad films.
Except in parts,
when the moral kicks in."
LCD Soundsystem - All my friends
Woody Allen já dizia que a vida não imita a arte - imita programas ruins de TV. Em uma das melhores letras dos anos 00, James Murphy diz a mesma coisa, comparando o desenrolar da vida adulta com um filme ruim, só que sem nenhuma lição de moral. Onde estão seus amigos nessa noite?
"Assuming that all things are equal
Who'd want to be men of the people
When there's people like you?"
Arctic Monkeys - Teddy Picker
O hino da música independente, se é que existe um. Teddy Picker contrapõe a massa comodista e aqueles que buscam algo mais na cultura nossa de cada dia. Seria difícil acreditar nas palavras de Alex Turner hoje, no qual ele basicamente se rendeu à postura que criticava, e também pareceria difícil dizer essas palavras sem se sentir pretensiosa(o) e "diferente", se não fosse tão irresistível gritar esses últimos versos.
"Offer me solutions,
Offer me alternatives and I decline.
It's the end of the world as we know it and I feel fine."
R.E.M. - It's the end of the world as we know it
Michael Stipe abraça o cenário apocalíptico que ele mesmo cria na célebre faixa do R.E.M. e nos deu algo para gritar no dia 12/12/12. Essas frases sempre me intrigam, essa desistência perante o fim dos tempos, e sempre chamam a atenção no meio do caos da letra rápida dessa faixa.
"Let me fly
Then I need a release from
This troublesome mind
Fix my feet
When they're stumbling
And well you know it hurts sometimes
You know it's going to bleed sometimes"
The Killers - Sweet Talk
Sweet Talk é piegas. Nem eu, nem o Brandon Flowers, podemos discordar de qualquer um que afirmar isso. Mas às vezes é de clichês que precisamos, e essa pequena oração do The Killers acaba comigo a cada play no Live at Royal Albert Hall, um trecho que repito para mim em tempos difíceis. Não é disso que precisamos às vezes?
"I have sat too long in my silence. I have grown too old in my pain.
To shed this skin, be born again, it starts with an ending.
So thank you friends for the time we shared. My love stays with you like sunlight and air.
Oh how I truly wish I could keep hanging around here but my joy is covering me.
Soon, I will disappear."
Bright Eyes - Method Acting
Conor Oberst, amigos, é um poeta. Nenhuma banda me deu tantos problemas de edição e escolha nessa lista como o Bright Eyes. Mas Method Acting é uma obra-prima do início ao fim, e esse trecho descreve um adeus melhor que qualquer outro na história da música.
"Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again"
Simon & Garfunkel - The Sound of Silence
A melhor e mais marcante introdução que uma música poderia ter, mais uma frase que hora ou outra surge na minha cabeça e fica por lá.
"Do you believe in rock 'n roll,
Can music save your mortal soul,
And can you teach me how to dance real slow?"
Don McLean - American Pie
Essa é para todos que já ouviram American Pie e pensaram em como a vida seria insuportável se a música realmente morresse. Essa lista provavelmente seria de...?
"And I still believe (I still believe) in the sound,
That has the power to raise a temple and tear it down.
And I still believe (I still believe) in the need,
For guitars and drums and desperate poetry.
And I still believe (I still believe) that everyone,
Can find a song for every time they've lost and every time they've won.
So just remember folks we not just saving lives, we're saving souls,
And we're having fun."
Frank Turner - I Still Believe
No mesmo tema da frase anterior. Se Don McLean falava do desespero provocado pela ausência de música, Frank Turner fala sobre o conforto da sua presença na nossa vida. Eu também acredito, Frank.
"And it's not a cry that you hear at night
It's not somebody who's seen the light
It's a cold and it's a broken Hallelujah"
Leonard Cohen - Hallelujah
Hallelujah é dotada de uma fossa tão poderosa que nem 2.000 L de sorvete usufruidos diretamente do pote em um dia chuvoso assistindo Bridget Jones e ouvindo Adele poderiam curar. Leonard Cohen é um mestre.
"…and at once I knew I was not magnificent"
Bon Iver - Holocene
Se o mundo te der ideias de grandeza, é só ouvir essa música que você se sente como um quark dentro de um próton dentro de um átomo dentro de um universo.
"This is what you get, this is what you get
This is what you get, when you mess with us"
Radiohead - Karma Police
Radiohead não foi feito para ser entendido perfeitamente, como Persona de Bergman, e sim, sentido de maneira visceral. A agonia de Thom Yorke pode ser sentida sem nenhum filtro nesses versos simples, feitos para serem cantos por entre dentes cerrados em angústia e desafio.
"I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now as tears subside
I find it all so amusing"
Frank Sinatra - My Way
O maior réquiem da história da música, o balanço final da vida, naquele momento que tudo já passou, o grande esquema das coisas é revelado e até as piores derrotas são "divertidas" de se lembrar.
"Como pode alguém sonhar
o que é impossível saber?
- Não te dizer o que eu penso
já é pensar em dizer
e isso, eu vi,
o vento leva!
- Não sei mais
sinto que é como sonhar
que o esforço pra lembrar
é a vontade de esquecer"
Los Hermanos - O Vento
A única brasileira de toda a lista, O Vento mereceu seu lugar em uma lista tão pouco patriótica (não sei realmente o porque dessa predominância anglo-saxônica na lista, me desculpem). O Vento devia valer uma cadeira na Academia Brasileira de Letras pra Rodrigo Amarante.
"There is a light that never goes out"
The Smiths
Uma frase. É só o que Steven Patrick Morrissey precisa para levantar milhões de questões, resumir milhões de sentimentos e encerrar essa lista.
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