quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Fábrica de Sonhos
Filme: Super 8 (Idem, 2011)
Nota: 8,25
Para ler escutando: Elbow - Lippy Kids
O tempo, a experiência e o conhecimento técnico podem anestesiar um cinéfilo, que já entrou e saiu pelas portas do cinema mais vezes do que a memória permite calcular, para a verdade que responde a essa simples pergunta: o que te encantou no cinema pela primeira vez? Com qual isca você foi fisgado? Quando todos nós ainda éramos crianças, ainda não havia, no nosso panorama cinematográfico, o desejo por pequenas salas cults, Nouvelle Vague, Bergman ou Kubrick. Todos nós fomos fisgados por tudo aquilo que hoje rotulamos como "filmes de sessão da tarde" - todos nós, inclusive, é claro, a atual geração de cineastas. Nós queríamos entrar em um cinema, naquela época, não para refletir ou admirar a proeza de um auteur, queríamos, por algumas horas, viver aventuras e perigos que não poderíamos (nem desejaríamos, na verdade) viver na vida diária.
Mas grande parte dos "blockbusters" recentes estão falhando na missão de encantar como os melhores trabalhos de Spielberg, Lucas e cia. encantavam. Por isso ainda recorremos aos clássicos (existe criatura mais nostálgica que o cinéfilo?). Então, o que diferencia as aventuras dos anos 70 e 80 do cinemão de hoje? J.J. Abrams sabe exatamente o que falta na atual produção. Afinal, o diretor de Super 8 também era capitão da série Lost, série cuja equipe causou um surto coletivo nos fãs ao declarar que não eram os mistérios ou monstros que importavam na obra, eram as pessoas. É disso que Hollywood parece ter se esquecido. O público não quer apenas robôs gigantes sendo arremessados na tela em 3D perfeito. Ele quer se sentir como Elliot na bicicleta, como um Goonie ou como Gordie e Vern correndo do trem. E nenhum efeito especial pode ajudá-lo nisso. Apenas personagens reais, que se conectam com o público e transformam o filme em uma experiência realmente imersiva e mágica.
Dessa maneira, é curioso que J.J. Abrams tenha definido toda a sua proposta com Super 8 através da fala de um de seus personagens, que funciona como uma metonímia para todo e qualquer cinéfilo, Charles Kaznyk, que defende a criação de uma esposa para o detetive de seu curta afirmando que o espectador precisa de se importar com aquele personagem que está na tela. Abrams cumpre a tarefa a qual se propõe, e cria um blockbuster que não só emula todas as suas influências (com um carinho especial por E.T., do qual retira inspiração para sua estrutura, cenas e até vilões) mas consegue provar aquela teoria que o mesmo autor não conseguiu estruturar bem em Lost. Super 8 é sim uma aventura de ficção científica, mas seu foco está nas relações entre seus bons personagens. Por isso, nós torcemos por eles. Por isso, Super 8 funciona.
Tudo em Super 8 exala nostalgia, de sua trilha sonora bem selecionada até o elenco infantil, digno das melhores produções dos anos 80. Joel Courtney faz uma ótima estreia (o que aumenta as expectativas para sua escalação como Tom Sawyer) e Elle Fanning firma sua posição como uma das revelações de sua geração, em um excelente ano para a irmã de Dakota, que também incluiu uma boa participação em Compramos um Zoológico de Cameron Crowe. A fotografia, comandada pelo parceiro constante de Zach Snyder, Larry Fong, dá toques de modernidade ao filme de espírito vintage. Um parabéns especial para um pequeno elemento que faz toda a diferença: a inclusão do curta de Charles, Joe e cia. nos créditos finais, que amplifica a mitologia do filme e seu encantamento.
Quando a criança descobre o encantamento do cinema, ela também quer replicá-lo. Assim nasce o desejo de reunir os amigos, conseguir uma câmera, contar histórias. Assim nascem os cineastas, e se essa mecânica não funcionasse não teríamos todas as obras que hoje amamos. J.J. Abrams filma Super 8 como uma criança que acabou de sair de uma maratona no cinema local, transformou seu amor por seus ídolos em um roteiro (que também poderia ter sido obra de uma criança, especialmente em cenas nada plausíveis como a fuga do personagem de Kyle Chandler da prisão), e o filmou. Foi esse impulso lúdico e reverente que também inspirou qualquer Tubarão, Indiana Jones ou Star Wars. A diferença é que todos esses garotos possuem um orçamento no lugar de um cofrinho quebrado, tecnologia de ponta no lugar de uma câmera detonada. Eles não precisam esperar a passagem do trem, eles comandam a fábrica de sonhos. "Production Value", como diria o diretor mirim de Super 8. Mas o espírito é o mesmo.
Super 8 é perfeito? Longe disso. Mas é sincero o suficiente para levar mais alguns espectadores jovens a trocar (momentaneamente) a pipoca pela câmera na mão, além de levar os espectadores nem tão jovens a tirar a poeira dos filmes que os inspiraram na infância e ficam hoje na prateleira. E isso já é suficiente para manter os projetores das matinês rodando firmes por algumas gerações.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário