sexta-feira, 4 de junho de 2010

Natureza Desumana


Filme: Watchmen – O Filme (“Watchmen”, 2009)
Nota: 9
Para ler escutando: Take a Bow - Muse

Nada é mais difícil, nada requer tanta coragem e sacrifício, quanto fazer a coisa certa. É por isso que aqueles que perante os perigos e ameaças, não desistem das suas missões e das coisas nas quais acreditam, recebem o nome de heróis. Dessa maneira agiram Cristina Yang, Meredith Grey, Owen Hunt e Richard Webber perante o imprevisível atirador que, no final de temporada de Grey’s Anatomy, assinava com sangue e covardia sua sentença nos corredores do hospital Seattle Grace. E cada um merece o título de herói.
Quanto maiores são as causas, mais se torna difícil definir o que é a coisa certa. As perguntas que antes eram respondidas por um sim ou não se tornam repletas de respostas como “Talvez” e “Parcialmente”. O que antes era preto e branco, continuar operando ou se submeter ao desejo de um assassino, se sacrificar para salvar alguém que você ama, adquire milhares de tons de cinza. Pois o assunto agora não é o bem de uma pessoa. E sim o bem de milhares. Milhões. Bilhões.
Desta maneira, líderes e revolucionários seguem caminhos que julgam corretos, através de guerras e mortes, em busca do tal “bem comum”. Quando o sacrifício deixa de ser único e voluntário, é merecedor de ser chamado de heroísmo?
Em “Watchmen”, somos apresentados a diferentes tipos de “quase-heróis”. O inocente e idealista Dan “Nite Owl II” Dreiberg. O amargo porém coerente e sólido em suas crenças Walter “Rorschach” Kovacs. O drástico e megalomaníaco (e talvez, mais idealista ainda) Adrian “Ozymandias” Veidt. O quase divino porém sujeito a emoções (neste caso, sinônimo de falhas) humanas Jon “Dr. Manhattan” Osterman. E o nada heróico, porém ganhador desse título das mãos da sociedade violenta e perversa, Eddie “The Comedian” Blake. E quando a película chega ao fim, não precisamos escolher um lado. Assim como Dr. Manhattan, não perdoamos, nem condenamos. Todos estão errados. Todos estão certos. A humanidade é que está errada, na verdade.
Alguns filmes simplesmente não se contentam em serem apenas filmes. São extremamente ambiciosos. Querem mudar alguma coisa na maneira que você vê o mundo. Querem passar uma mensagem. E Zack Snyder, ao receber a missão de filmar a infilmável HQ Watchmen, sabia que tinha uma história em mãos que podia virar bem mais que um filme.
Watchmen é uma história que analisa, critica e disseca cada pedaço da sociedade e da natureza humana. Apresenta um universo extremamente sombrio, julga, condena, expõe várias feridas da forma menos sutil possível. Sendo assim, se tornou um filme que olha na cara do espectador e diz: “Está gostando do que vê? Porque eu não.”.
Mas Watchmen quer tanto ser mais do que um filme que se esquece, às vezes, de alguns elementos que fazem um ótimo filme, um filme que mereceria um 10 aqui no Through The Frames.
O casting do filme foi bem feito, mas poderia ter sido excelente. Jackie Earle Haley é Rorschach. Cada cena com o vigilante mascarado é tão significativa que dá vontade de ver um filme só dele. Até a voz de Earle Haley domina as cenas completamente. Billy Crudup foi outro acerto, passando emoção e humanidade para o espectador mesmo através do olhar fixo de seu Dr. Manhattan. Patrick Wilson não está ruim, mas decepciona para um ator que já foi até indicado para Globo de Ouro. Jeffrey Dean Morgan não aparece muito, mas mostra a que veio quando aparece. E Malin Akerman (Silk Spectre II) e Matthew Goode (Ozymandias) estão muito fracos. Ok, o papel da Espectral não é muito bom ou complexo, então a atriz não pode ser tão condenada. Mas Ozymandias merecia alguém menos exagerado. E os figurantes de uma fala, oh, os figurantes que participam das cenas de Guerra Fria, onde Zack Snyder arrumou essa trupe?
Não vou ficar criticando o ambicioso diretor de 300 não. Snyder utiliza perfeitamente efeitos especiais, slow motion e ângulos inusitados, que combinados com uma das trilhas sonoras mais surpreendentes de todos os tempos, criam cenas inesquecíveis. Com 15 minutos de filme você já percebe que está assistindo algo especial.
Quando Watchmen chegou aos cinemas, muita gente me disse que o filme era só violência e sexo. Fico me perguntando exatamente que filme que essas pessoas assistiram. Acho que não foi o mesmo que eu. Com certeza é um filme explícito e agressivo, mas, assim como os seus quase-heróis e seus métodos, tudo tem um objetivo maior. O filme pode ser descrito da mesma maneira que o Comediante é descrito nas palavras de Rorschach: “Ele via as rachaduras da sociedade, via os homenzinhos mascarados tentando manter tudo em ordem... Ele viu a verdadeira face do século 20 e escolheu se tornar uma reflexão, uma paródia de tudo”. A piada do Comediante somos nós. E Watchmen, assim como seu melhor personagem, Rorschach, não quer nos salvar. Mas talvez, se escutarmos com atenção, ainda possamos salvar à nós mesmos.

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