domingo, 30 de maio de 2010

Vulpes Vulpes Sapiens



Filme: O Fantástico Sr. Raposo (The Fantastic Mr. Fox, 2009)
Nota: 10
Para ler escutando: The Beach Boys – I Get Around



Em algum dia dessa semana, em uma descompromissada conversa sobre música, disse aqui em casa que existem 2 tipos de pessoas no mundo: As que acham Wake Up do The Arcade Fire um festival de vocais desafinados e esquisitices, e os que a acham uma música épica e emocionante. Não estou, de maneira alguma, dizendo que os que apreciam tal música são melhores que os que não sentem nada ao ouvi-la. Só estou dizendo que existem pessoas que gostam do estranho, do exótico, do diferente. E nada é mais estranho, exótico e diferente do que a filmografia de Wes Anderson. E, na opinião de nós, que somos diferentes, não há nada mais empolgante também.
Sou fã do trabalho de Anderson. Desde a primeira vez que vi “Os Excêntricos Tenenbaums”, fiquei fascinada por aquele universo de táxis ciganos (ou outro elemento usado pelo diretor para “costurar” as cenas de suas obras) ,capítulos divididos, roupas estranhas, trilhas sonoras “vintage” e um senso de humor curioso que você não encontra em nenhum outro lugar. E quando vi que o próximo filme do cineasta seria uma adaptação em stop-motion (ganhou 1 ponto) com roteiro adaptado de um livro de Roald Dahl (cresci lendo os livros desse gênio, ganhou mais 1 ponto) e contando com vozes de George Clooney, Meryl Streep, e os já “tradicionais-em-filmes-do-Sr.Anderson” Bill Murray, Jason Schwartzman e Owen Wilson (ah, parei de contar antes que o contador explodisse de tanta expectativa), admito que já imaginei que o filme seria nada menos que incrível. Mas o Fantástico Sr. Anderson conseguiu exceder as minhas absurdas expectativas.
Uma pena que só assisti “O Fantástico Sr. Raposo” muito tempo depois de postar neste blog minha lista de melhores de 2009. Junto com “Lunar” de Duncan Jones, esta animação entraria fácil no meu humilde ranking. Começando os elogios pelo visual. Além dos personagens serem graficamente maravilhosos, os enquadramentos, nas singelas cenas nas quais a câmera pára como em uma página de livro e nas dinâmicas cenas dos roubos e fugas de Raposo e Cia., nunca são óbvios. Cada trecho me deixou como aquele menino que ganhou o Nintendo 64 de Natal (veja o vídeo aqui). A trilha sonora inclui Beach Boys e uma participação especial de Jarvis Cocker. Precisa comentar mais?
Wes Anderson, junto com seu fiel escudeiro Noah Baumbach (que dirigiu “A Lula e a Baleia”), faz mais um roteiro impecável (palavra que define minha impressão do filme). Adaptando um livro infantil que foi publicado em 1970, a dupla dinâmica fez uma história contemporânea para adultos, nos moldes de “Os Incríveis”, porém com trajetórias e ambições diferentes das presentes no genial longa-metragem da Pixar. Não é uma animação dirigida por Anderson. É um filme de Anderson que, por acaso, também é uma animação.
George Clooney faz do personagem título uma versão daquele cara que ele sempre interpreta em filmes dos Irmãos Coen. Cheio de manias e frases de efeito, porém com o charme de Danny Ocean. E Jason Schwartzman faz de Ash o mesmo cara que ele sempre interpreta (em qualquer filme), completamente excêntrico e absurdamente hilário. Meryl Streep infalível como sempre como a adorável esposa de Mr. Fox,Willem Dafoe (o Rato) e Michael Gambon (não deixe que a voz do Dumbledore te engane, aqui, Gambon é mau) sensacionais como os vilões e os desconhecidos Wally Wolodarsky e Eric Anderson (irmão do diretor, nepotismo super válido) emprestam suas vozes pros personagens “rouba-cena” Kylie e Kristofferson.
“O Fantástico Sr. Raposo” é uma história sobre o desejo de se auto-afirmar que rege várias de nossas atitudes. A busca de Ash pela aprovação de seu pai, suas tentativas de igualar seus feitos para ganhar seu respeito, que apesar da camada de insegurança, não difere em nada da necessidade que seu pai e seu primo possuem de mostrar suas grandezas a cada minuto. Também é um filme sobre frustração, sobre aquelas partes da nossa personalidade as quais abandonamos, mas sem elas nunca mais nos sentimos completos, e sobre o desejo de recuperá-las. Mr.Fox se conhece bem, como “animal selvagem” que é, e sabe que nunca será feliz se negar sua identidade, como Felicity deseja que ele faça. Sobre a necessidade de se manter verdadeiro à quem você é. Cada um deve permanecer fiel ao seu talento,às suas qualidades tão únicas, como a representada por cada animal da trupe de refugiados. Sobre ambição, sobre não se contentar com uma morada na caverna, com tanta terra, escuridão e frustração sobre sua cabeça. Sobre manter a dignidade, mesmo quando tudo lhe é levado, até mesmo sua cauda.
Os personagens aqui podem ser animais selvagens, mas a história é sobre o ser humano, sobre as emoções e buscas que motivam cada pessoa, e sobre como fazer essa individualidade triunfar sem que a coletividade se perca no caminho. Porque ser você é tudo o que você pode fazer, afinal (valeu pela frase, Audioslave).

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