quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O que perdemos no caminho


Filme: Enrolados (Tangled, 2010)
Nota: 6,5
Para ler escutando: Photosynthesis - Frank Turner


O que é essa tal de “magia do cinema”, que é mencionada em diversos slogans bregas e textos emocionados? A melhor resposta para essa pergunta é que a magia do cinema é aquilo que cada criança sente em uma sala de exibição. A criança experimenta o cinema como ninguém. Quando assiste a um filme de espionagem, ela sai do escuro do cinema como James Bond, se escondendo pelos cantos e imaginando perigos. Quando assiste a um romance de contos de fadas, a criança é príncipe ou princesa, quer varinhas de condão ou portar espadas. Nunca mais vamos vivenciar o cinema como vivenciávamos nas nossas infâncias.

Hoje eu me vi no meio de inúmeros pequeninos em uma pré-estréia de Enrolados, o mais novo desenho animado dos estúdios que se especializaram na “Magia do cinema”, que talvez inventaram essa magia na maneira que conhecemos, a Disney. A criança é o espectador mais sincero e fiel de todos. Ela ama ou odeia, ela não liga para críticas, para lógica, para furos de roteiro. A verdade é que nunca mais seremos tão criativos, dinâmicos e fascinantes como éramos quando crianças, pois temos regras, noções de certo, errado, inteligente, burro, tão solidificadas que nos tornam ligeiramente imunes à toda a Magia. O espectador infantil é fascinante para a indústria por que ele sempre vai ao cinema.

Downloads ilegais e DVDs piratas mudaram muito a maneira de consumo da sétima arte. Aquele ritual de esperar um lançamento, pegar filas, sentar de pipoca em mãos, o apagar das luzes, os esperados trailers passando pelos olhos até que o logotipo da produtora declara silenciosamente que a hora chegou, ah, aquele ritual morreu. Mas ele nunca morreu para as crianças, não existe crise no cinema infantil. Crianças não querem sentar na frente de uma tela de LCD, suas aventuras grandiosas querem o escuro da sala de cinema. Só ali os sonhos escondem a realidade, o mundo pára.
Mas o que acontece quando crescemos? Coloquei meus óculos 3D para descobrir isso nessa tarde de férias, e fiquei decepcionada com o resultado. Em uma cena no início de Enrolados, um cavalo e um homem caem de um enorme precipício. Ambos saem andando, sem nenhum arranhão. Eu soltei um “humpf” e um risinho irônico. Enquanto isso, uma criança na minha fileira quase delirava. Já percebi como seria o restante da sessão para mim. Cada cena me lembrava uma sátira, Encantada, Shrek, eu via tudo com um olhar sarcástico e envelhecido, sobrancelha direita levantada e sorriso torto.

Enrolados é o 50º filme dos estúdios Disney. Parte de uma linhagem privilegiada, que conta com animações históricas, que marcaram a minha infância e a de grande parte da população mundial. Será que se revermos aqueles clássicos como adultos, eles nos parecerão tolos? Provavelmente não, mas 80% daquilo que vamos sentir é nostalgia.

O único problema da fidelidade do público infantil é que, assim que a Disney descobriu as fórmulas mágicas, a saída mais confortável foi repeti-las e repeti-las. Enrolados é o resultado de uma entrega do estúdio à preguiça, à zona de conforto. A Dreamworks fez, recentemente, um desenho capaz de conquistar adultos e crianças, sem recorrer a piadas de duplo sentido e apelações. Mas qual é a diferença principal entre Como Treinar o Seu Dragão e Enrolados? O primeiro foi feito com o coração. Emocionante e entusiasmado. Enquanto o diretor de "Dragão" dirigiu com olhos de criança, a equipe criadora dessa nova versão da história de Rapunzel pensou de maneira racional e robótica: Músicas, bichinhos, uma bruxa e um galã? Temos nossa mina de ouro aqui.

Nada é mais preguiçoso e oportunista em Enrolados do que a dublagem nacional. É uma experiência dolorosa ver Luciano Huck destruindo o filme, com uma ausência completa de emoção. Ele não atua, não interpreta. Ele lê como lê um cartão de apresentação de seu programa semanal. Além disso, as músicas originais são assassinadas pelas versões nacionais. Mas culpar dublagens é completamente ridículo, e existem outras falhas nessa nova película.

O final de Enrolados bate recordes de previsibilidade e ausência de sentido, em uma tentativa quase mecânica de tornar o filme mais adulto. Os exageros nas cenas deixam de ser magia para servir o monstro cruel do 3D, em quedas e saltos intermináveis. Duas cenas se salvam no filme, e se salvam com classe. Enquanto a turma do Saloon cativa qualquer um com a música “Eu tive um sonho”, o momento romântico no lago entre Rapunzel e Flynn derrete corações e traz um dos usos mais poéticos da nova tecnologia tridimensional. O 3D, em Enrolados, ganha usos divertidos e excessivos, mas é mal pensado e mal feito. Divertida, excessiva e mal pensada pode descrever, na verdade, não só o 3D, mas toda a experiência dessa obra.

Para recuperar o público que se acostumou com a comodidade e a economia dos downloads, o cinema quer recuperar o olhar infantil e a magia do cinema em nós, adultos. Algumas vezes, raras, filmes conseguem essa proeza, fazendo grandinhos se sentirem em um videogame com Scott Pilgrim e Tron, ou dando asas àquele velho sonho de ser um super-herói com Kick-Ass. O 3D é uma tentativa desesperada de conectar o público com a tela. Mas o 3D só não falha em duas coisas: gerar dores de cabeça colossais e frustrações ainda mais colossais quando o roteiro fica em segundo plano. As crianças ainda aplaudiam Enrolados quando eu saí do cinema, me sentindo velha, uma velha rabugenta que não consegue mais se desligar das leis da física, das convenções do cinema, dos furos de roteiro e simplesmente curtir a viagem. Uma frustação similar a de quando vi O Expresso Polar e lamentei não acreditar mais em Papai Noel. A magia acabou? Culpa minha ou culpa da Disney?

E você... ainda se lembra do que sentiu quando foi ao cinema pela primeira vez?

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