segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Phoenix em BH: When with the fortunate only


Imagem via site do Chevrolet Hall. Fotógrafo: Gualter Naves

Are we human or are we dancer? Sempre que ouço essa pergunta na voz de Brandon Flowers, eu penso: Não é possível ser um sem ser o outro. No dia no qual o primeiro homem das cavernas descobriu que bater uma pedra na outra, um graveto em uma pele esticada de animal, criava sons interessantes, alguém começou a transformar esse movimento transmitido pelo som em movimento corporal. Na época, é claro, não existia um conceito organizado de dança como existe hoje. Não existia o apropriado, o cool, a coreografia. Existia a necessidade, o impulso de se mexer. Mesmo que descoordenadamente. Nos primeiros acordes de Lisztomania, música que abre o show da banda francesa Phoenix, é essa necessidade instintiva de se mexer que é compartilhada por toda uma platéia. Lisztomania, por sinal, é uma música que versa exatamente sobre a euforia causada pela música.

Muitas pessoas que estavam presentes no show do Phoenix no Festival Planeta Terra, que aconteceu um dia antes do show em Belo Horizonte, no qual eu fui, demonstraram decepção com o show dos franceses. Sim, a banda é bem européia, não se movimenta muito (especialmente o baixista Deck D’Arcy, que leva o troféu sem graça pra casa) e a intensidade presente no show vem toda de duas fontes: As músicas, que soam melhor ao vivo do que nos álbuns (e isso quer dizer muito) e Thomas Mars, que com toda a sua falta de jeito, revezava seus espasmos tímidos e frases meio batidas (que eu, como fã que baixou o Live in Sydney, sabia de cor) com idas geniais para a galera, especialmente na segunda música da setlist, Lasso, que ele cantou junto (bem junto) com a turma da grade (exatamente na minha frente, na verdade).

Dessa maneira, é possível compreender a decepção de pessoas que já viram shows incríveis na vida e, além disso, estavam muito mais interessadas nas atrações mais alternativas do festival do Playcenter. Mas eu não sou veterana em shows, o Phoenix é uma das minhas bandas favoritas e tenho uma tendência grande para me empolgar bastante com apresentações ao vivo, então, o efeito Lisztomania me atacou violentamente.

O início da setlist do Phoenix é de matar aqueles que não estão em dia com o condicionamento físico. Após as duas primeiras músicas, já mencionadas, a banda emenda Long Distance Call, que me fez pular freneticamente junto com o loop infinito de “It’s never been like that”s. Para diminuir o ritmo após esse trio de hiperatividade alta, Fences aparece e os pulos são substituídos por danças menos efusivas e muita cantoria. Essa pausa não demora muito, e o combo Girlfriend e Armistice acaba com o que restou das suas pernas e do seu fôlego, e encerra a parte mais festiva do show.

Alguns torcem o nariz para Love like a sunset na versão de estúdio. Essas pessoas não sabem o que é Love like a sunset ao vivo, em um espaço limitado como o Chevrolet Hall. O instrumental atmosférico é memorável, e para algumas pessoas na platéia, que vi fazendo caretas, um pouco alto demais. Nessa hora, os olhares, que estavam absolutamente concentrados no vocalista Mars, são desviados para a talentosa banda. E para facilitar esse desvio de foco (e para recarregar as baterias) o marido de Sofia Coppola deita no chão do palco, sumindo de vista. Alguns julgam essa atitude. Não entendo bem o porquê.

A setlist, que beirou o impecável, teve uma falha. Após Love Like A Sunset, que diminuiu o ritmo do público, Too Young, um clássico do pop Phoenixiano surge para empolgar a galera novamente. Logo depois, a cool Run Run Run desfaz o efeito de Too Young. Uma inversão dessa ordem seria bem esperta.

Eu tenho muita sorte em shows. E duas das minhas músicas favoritas do Phoenix, que eu julgo indispensáveis em um show da banda, vieram em dupla pra me deixar completamente surtada. Consolation Prizes e Rally, depois dessas eu não podia reclamar de mais nada. Se minhas pernas já tinham me abandonado, minha voz foi embora no refrão de Rally. Rome e o funk do quadrado chique (não resisti) vieram depois para fechar a primeira etapa do show, que todos sabiam que teria pelo menos mais 5 músicas durante o Bis.

Mas foi o primeiro bis que tornou o show ainda mais especial. Antes do início da apresentação, a produção avisou para a galera que naquele chuvoso e belo-horizontino dia 21 de novembro, Thomas Mars estava comemorando seu aniversário. Então, quando Thomas e Christian (o guitarrista e cara mais simpático entre os três músicos da formação) voltaram aos palcos para a sessão intimista do show, foram recebidos por cantos de “Happy Birthday to You”. Thomas agradeceu, com a cara de tímido de sempre, e mandou uma ótima versão de Countdown acompanhada pelo já tradicional movimento das luzes das telas de celular sendo agitadas no ar.



Para completar a sessão pseudo-acústica (afinal, era Voz/Guitarra), a favorita do público Everything is Everything foi entoada em coro, e o delicioso cover de Playground Love do Air foi cantado por um Thomas sentado na beirada do palco e arrasando os corações de umas garotas que gritavam seu nome.



Foi só o vocalista pedir para a galera fazer barulho e chamar o resto da banda para o segundo bis, que a tradição belo-horizontina da “Montanha-russa” começou. O barulho do chão sendo pisoteado sempre desperta espanto. O show terminou com a versão roqueira de If I Ever Feel Better e o megahit 1901, que exigiu de mim um resgate da minha integridade física para agüentar mais alguns (vários) pulos. A pista não estava compacta o suficiente para um Mosh, então, para não quebrar a tradição, Mars resolveu dar uma de Win Butler e sair andando no meio da pista vip, para alcançar a pista comum e ser agarrado por mais algumas pessoas. O francês franzino jogou até o microfone para a galera, que, por milagre, não se arriscou nos vocais de 1901.

Esse show foi um prêmio para os belo-horizontinos. Para aqueles que não puderam migrar para São Paulo e curtir as mega atrações do Planeta Terra e especialmente, o grande show do ano, de Paul McCartney. Para aqueles que agüentaram um ano de agendas vazias na cidade. Para os que se decepcionaram com os conterrâneos que lotam shows de Sertanejo e enormes festivais de Axé e deixaram Air ser cancelado por falta de público. E digo, esse prêmio não foi nenhum Consolation prize.

Menções honrosas: Os shows de abertura, realizados por duas grandes bandas do cenário indie de BH, Monno e Dead Lover's Twisted Heart. O show do Monno foi para premiar os poucos e bons que chegaram cedo ao Chevrolet Hall, e, além das músicas próprias de qualidade, a banda mandou um cover digníssimo de The Rat do The Walkmen, uma das minhas músicas favoritas. O Dead Lover's, que lançou um dos melhores discos nacionais do ano, foi sensacional no palco, e me animou mesmo sentindo a falta de Line 5102 e Devil na Setlist.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tempos de Guerra





Filme: Harry Potter e as relíquias da morte-Parte I (Harry Potter and the Deathly Hallows pt1, 2010)
Nota: 9,75
Para ler escutando: Afraid of everyone – The National

Se você tem aproximadamente 20 anos, você entende: Somos a geração que cresceu com a série Harry Potter. Não só com a série, mas também com os personagens. Os primeiros anos em Hogwarts refletiam nossos primeiros anos na escola. Os conflitos, a adaptação, o amor maternal. Aí nossos interesses mudaram, os conflitos ficaram mais existenciais e o amor ganhou novas caras, e juntamente conosco, os aprendizes de feiticeros passaram por novas experiências. Mas a geração Harry Potter cresceu muito. E hoje, quando fui caminhando para a minha sétima estréia da série, eu não conseguia encontrar o ânimo de outrora. Quando eu me sentei na enorme fila, no meio de muitos pré-adolescentes em crise, eu me sentia ausente de tudo aquilo. Foi com este espírito que vi o letreiro da Warner Brothers, em meio às nuvens, surgir na minha frente pela sétima vez.

Mas não foi só a idade que pesou sobre meus ombros ao adentrar a sala de cinema. David Yates, há um ano, tinha me decepcionado bastante. Ao adaptar uma grande saga, um cineasta encontra dois caminhos: Agradar ao jovem público que não tem uma ligação emocional com a série, ou recompensar os velhos fãs pela fidelidade. O primeiro caminho sempre leva às grandes bilheterias. Ao status de febre juvenil. E Yates sucumbiu a essas frivolidades. Ignorou grandes momentos do interessante sexto livro. E deixou buracos que eu julgava impossíveis de tapar.

O filme começou. David Yates teve a ousadia de colocar uma cena que não constava nos livros. Na cena (não é um grande spoiler, ok), Hermione, interpretada magistralmente por Emma Watson, perante notícias de assassinatos de “trouxas” e “sangues-ruins”, apaga a memória de seus pais e deixa para trás tudo o que amava. Naquele momento, no meio de gritinhos histéricos de adolescentes que ignoravam o peso daquela ação, eu engoli seco e pensei: “Esse filme é nosso”. A partir daí, tudo foi uma grande jornada recompensadora e fascinante.

De todas as críticas que já escrevi, essa foi a mais fácil de nomear. Tempos de Guerra. Não existe espaço para corujas, aulas de transfiguração ou jogos de quadribol em tempos de guerra. E lentamente Harry Potter deixa de ser uma série sobre um mundo paralelo no qual todos nós queríamos viver para ser uma série sobre o nosso mundo. Paranóia? Propaganda Fascista? Tortura? Seqüestro? Um ministério corrupto? Racismo? E quando eu ouvi alguém dizer no cinema “Eu adoro a Belatriz”, eu pensei novamente: “Esse filme não é para eles. É nosso.”.

Relíquias da Morte (Parte 1) é um filme sobre a guerra, porém não é um filme de ação, então não espere batalhas grandiosas. A ação fica para a segunda parte, que chega aos cinemas em Junho de 2011. Com uma acentuada diminuição de ritmo, o foco do filme se torna o conflito interno provocado pelo conflito externo, em cada personagem. Amizades são testadas, famílias são separadas, laços se estreitam. Com o aumento da complexidade dos personagens, os bons atores da saga mostram seu talento. Emma Watson brilha com uma Hermione que diz mais em momentos de silêncio do que qualquer fala do filme. Rupert Grint surpreende com um Ron Weasley tomado pela revolta, intenso e apaixonado. E Daniel Radcliffe? Continua sendo ofuscado por tudo e todos. Mas não esperávamos nada mais do que isso. E nos seus poucos segundos em cena, Tom Felton dá um olhar tumultuado e conflituoso ao garoto Draco Malfoy.

David Yates, uma fã lhe aplaude de pé nesse instante. O diretor, que nos trouxe um sexto filme que deveria receber o título de Hogwarts School Musical, acha a redenção perfeita. Yates mostra versatilidade, alternando o sombrio e o casual e dirigindo sequências memoráveis, como a invasão ao ministério da magia e a animação que conta a história das Relíquias.

Na última cena da obra, que não revelarei aqui, a inocência da série chega ao fim. Nós crescemos, e a série Harry Potter cresceu conosco. Não vemos os acontecimentos com um olhar infantil e esperançoso mais, e a câmera não as retrata dessa maneira para acompanhar nossas dores de crescimento. Conclusão sobre o filme? Vou dizer de maneira simples: Quando caminhar para o cinema, em uma tarde de julho, para ver o capítulo final, o entusiasmo estará de volta.

domingo, 7 de novembro de 2010

Proximidade




Filme: Minhas Mães e meu Pai (The Kids are All Right, 2010)
Nota: 9,25
Para ler escutando: Taller Children - Elizabeth and the Catapult

A arte é uma imitação da vida. Muitos cineastas, produtores e artistas acreditam nessa máxima, e a busca pela fidelidade e realismo no cinema só se intensifica. Mas o avanço da tecnologia, as imagens em alta definição, Imax, o som digital, todas as maravilhas da modernidade só tem afastado os criadores do verdadeiro sentido da imitação da vida. A realidade pede menos imagens tridimensionais, e mais histórias tridimensionais. São as pequenas falhas, hesitações, ambigüidades e dificuldades de cada personagem que cativam o público, que tornam suas interações na tela fascinantes, que determinam a diferença entre um filme grande e um grande filme. E são personagens humanos e inteligentes que fazem de “Minhas mães e meu pai” uma comédia dramática surpreendente.

“Minhas mães e meu pai” é um filme que não julga nem cria uma separação entre mocinhos e vilões. Apenas expõe as fragilidades de cinco personagens. Dessa maneira, você torce pela felicidade de todos os membros dessa família, sem exceções. Por trás da controladora e alcoólatra Nic (Annette Bening), temos alguém que só quer manter sua família unida. Jules (Julianne Moore) pode ser adúltera, mas só trai pois precisa de atenção para suprir suas inseguranças, causadas pelo contraste entre sua vida profissional incerta e a carreira bem sucedida de Nic. E Paul, o doador de esperma, quase causa a destruição do casamento de Nic e Jules, mas exerce uma influência extremamente positiva em seus filhos. Paul funciona como um catalisador, e apenas acelera uma crise que estava fadada a acontecer.

Na abertura do filme, já é possível perceber que o título original, “As crianças estão todas bem”, não reflete a realidade dos adolescentes Joni e Laser. Eles funcionam como espelhos das personalidades de suas respectivas mães biológicas, compartilhando defeitos e conflitos internos. Laser reflete a impulsividade e o sentimento de derrota de Jules, e Joni luta com o perfeccionismo e os altos padrões impostos por Nic.

Não é só a crítica, o público e as premiações que amam personagens complexos e cheios de camadas, esses são os favoritos dos atores também. E o elenco de “Minhas mães e meu pai” dá uma verdadeira aula de interpretação. Annette Bening está magistral, roubando algumas cenas apenas com suas expressões faciais sutis e incisivas. Julianne Moore e Mark Ruffallo também brilham, e Mia Wasikowska se firma como uma das promessas da nova geração de atrizes. Josh Hutcherson é um ator competente, mas ganha o papel mais apagado da película.

O realismo cortante de “Minhas mães e meu pai” não é feito apenas de pontos positivos. A diretora e roteirista Lisa Cholodenko erra a mão e exagera nas cenas de sexo desnecessárias. Mas este é o único erro de Lisa, que criou um filme moderno e inteligente que deve ser lembrado em premiações na categoria Melhor Roteiro Original e, quem sabe, na categoria Melhor Filme.

Qualquer coisa, quando observada de uma distância, parece perfeita. Mas quando aproximamos nosso olhar, detalhes e imperfeições chamam a nossa atenção. O casamento, a família, as aproximações definitivas de pessoas, repletas de detalhes e imperfeições, sempre criam dinâmicas complicadas, que exigem tolerância e compreensão. Quando o zoom fica intenso demais, apenas os pequenos defeitos se tornam nítidos e assumem o foco completo do nosso olhar. É necessário então um afastamento, mesmo que indesejado, para que tantos closes se tornem uma imagem completa novamente.